Uma das falácias mais comuns na apreciação de um governo é a percepção de que todos tocam no mesmo tom, sob a batuta de um maestro incontestado e obedecendo à mesma partitura. Nada mais falso. Winston Churchill temia os inimigos do partido adversário, mas mais ainda aqueles que, sob o amplo e difuso guarda-chuva do seu partido, não perdiam uma oportunidade de o apunhalar pelas costas. Um governo não é um exército disciplinado. É uma confederação de alianças momentâneas, de ódios incorrigíveis e de ambições desmedidas.
Surpreendido, caro leitor? Basta pensar nas rasteiras que os sucessivos ministros de Cavaco Silva pregaram aos colegas de gabinete. Ou no contentamento dos rivais de Fernando Gomes, quando o tristemente célebre ministro socialista da Administração Interna foi toureado pela população de Barrancos.
Os piores inimigos de cada ministro não são os respectivos ministros-sombra. Esses partilham uma percepção comum da generalidade da área de intervenção e operam sob os mesmos pressupostos. O pior inimigo do ministro da Economia é o ministro que tutela a Segurança Social. O pior rival do político que controla o sector dos Transportes é o ministro que tutela a Energia. O ministro da Agricultura é odiado pelo do Turismo. O do Desporto pega-se com a da Cultura. Cada área tem uma antítese, uma área concorrente, que luta pelos mesmos recursos sob outra hierarquia de prioridades. No fim desta cadeia, está o Ambiente. O ministro que a tutela, qualquer que ele seja, é minado pelos sectores tangentes: da Economia ao Turismo, da Agricultura, Pescas e Florestas aos Transportes. Há um forte lobby que visa impulsionar o ministro do Ambiente borda fora, o mais rapidamente possível e preferencialmente com um lastro que o leve, de supetão, até ao fundo.
Há semanas, Nobre Guedes admitiu que ninguém o escuta no Conselho de Ministros. Ou, por outras palavras, que ninguém quer saber da sua visão do mundo. Acredito piamente que a tarefa do ministro do Ambiente seja a mais solitária do leque político, quando todos os outros conspiram para esvaziar a sua área de influência. Mas sabendo desta animosidade inerente ao posto, pasmo quando leio que Nobre Guedes foi ontem a Canas de Senhorim conversar com a população desesperada, que quis impedir a saída de mais urânio da Empresa Nacional de Urânio.
As regras de ouro em sobrevivência política podem ser enunciadas da seguinte forma: "Não abras nenhuma pasta que não tenhas de abrir. Não destapes nenhum assunto sem seres obrigado. Não te envolvas em polémicas que não sejam indispensáveis!" A isto, Nobre Guedes respondeu com uma entrada olímpica em cena, mergulhando de cabeça numa luta que não era sua. O que diabo foi o ministro fazer a Canas de Senhorim, negociando compromissos com associações que querem que o proveito da venda de urânio reverta para intervenções na região? Não tem a pasta do Ambiente suficientes causas que evitem mais uma imolação pública do ministro? Não havia ninguém do vasto elenco de secretários de estado e chefes de gabinete que pudesse ser despachado para a Urgeiriça, sem danos de maior?
Há semanas, Álvaro Barreto, em entrevista radiofónica, puxou as orelhas a Nobre Guedes, acusando-o de ter divulgado a despropósito o relatório sobre o incêndio da refinaria da Galp. Como se sentirá agora o ministro das Actividades Económicas, depois desta ingerência ambiental na sua área? Haverá nova reprimenda? Não gosto muito de fazer previsões, mas atrevo-me a dizer que Luís Nobre Guedes tornou-se a partir de ontem uma espécie em vias de extinção. E a ele nem a convenção CITES vai valer.
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