terça-feira, outubro 19, 2010

Ainda o Carsoscópio de Alcanena

Informa-me a presidente da Câmara Municipal de Alcanena que no dia 22 deste mês será constituída a Associação Ciência Viva do Alviela, com a presença da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade e o Instituto Politécnico de Leiria.
Espera-se deste modo criar "as condições necessárias ao seu desenvolvimento e à sua sustentabilidade económico-financeira". Oxalá que assim seja – são os meus votos.
Em Novembro, voltarei a passar no Centro de Ciência Viva do Alviela e ali espero ver os equipamentos reparados, como se impõe.

sábado, outubro 09, 2010

Carta aberta à senhora presidente da Câmara Municipal de Alcanena

Prezada Dra. Fernanda Asseiceira,

Na qualidade de director da edição portuguesa da revista National Geographic, fui membro do júri que, em Maio deste ano, atribuiu ao concelho a que V. Exa. preside, o prémio Progeo 2010. Trata-se, como sabe, do galardão destinado a premiar o município que mais faz pela promoção do património geológico no nosso país.
Notará, pela acta dessa reunião, que o prémio foi então atribuído por unanimidade pois todos os membros do júri consideraram que o Carsoscópio – Centro de Ciência Viva do Alviela (CCVA) era uma infra-estrutura incomparável, uma aposta decidida da vila de Alcanena no sentido de dar a conhecer o seu património natural, utilizando novas tecnologias, percebendo a importância da linguagem descomplexada na comunicação com o público e assimilando as especifidades da nascente do Alviela na sua oferta cultural, o que tornou este Carsoscópio um dos mais extraordinários Centros de Ciência de Viva do nosso país.
Os números disponibilizados pelo CCVA na Internet são aliás reveladores da resposta que o país está a dar a esta infra-estrutura ímpar no concelho e na região: são 48 mil visitantes em cerca de dois anos. Sabendo que o Centro tem uma capacidade máxima diária de 300 visitantes, em função dos limites naturais dos dispositivos colocados à disposição dos visitantes, percebemos que o Carsoscópio está a cumprir a função que lhe foi atribuída e a justificar os 2,8 milhões de euros que custou no final de 2008.
Voltei hoje a visitar o Carsoscópio, cinco meses depois da atribuição do prémio, e é com mágoa que noto que esta infra-estrutura, promovida pela Câmara Municipal de Alcanena no mandato do seu antecessor, está urgentemente carente de manutenção. Os magníficos dispositivos multimedia concebidos pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria continuam no local, mas muitos já não funcionam, sobretudo no quiroptário, uma das três unidades que compõem o Carsoscópio.
O dispositivo auditivo para escutar os morcegos está mudo. O dispositivo térmico para sentir a amplitude de temperaturas vivida pelos animais está avariado. As experiências de ecolocação para “ver” o mundo como os morcegos estão também fora de serviço. Igualmente avariado está o aparelho para avaliar o peso do alimento diário de um morcego, que fazia há alguns meses a alegria dos jovens visitantes, ao calcular o alimento que um ser humano teria de comer de forma a conseguir ingerir metade do seu peso num único dia. A visita continua a ser agradável, mas a sensação que ali se transmite é a de um Centro de Ciência Viva que lentamente vai perdendo o viço.
Asseguro que são pequenas reparações, pouco onerosas face ao investimento inicial e estou certo de que V. Exa. ainda não tomou conhecimento da sua necessidade. Mas a verdade é que o visitante abandona a visita ao Carsoscópio incrédulo com esta estranha aposta em turismo cultural que, menos de dois anos depois da inauguração, parece deixada ao abandono, sem manutenção nem cuidado, apesar do profissionalismo e boa disposição dos guias.
Não quero nem devo acreditar que o desleixo da manutenção se possa dever ao facto de esta obra ter sido inaugurada no mandato anterior. O Carsoscópio – Centro de Ciência Viva de Alcanena não pertence a um edil ou a um partido. Pertence a todos os alcanenenses e a todos aqueles que querem usufruir, por uma hora e meia, da sensação reconfortante de estar no interior de um espaço cultural moderno e actualizado, ao nível ou melhor do que vemos nos outros países da União Europeia.
Tomo a liberdade de dar conhecimento desta carta aberta a V. Exa. ao Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, à Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria e à Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, parceiros do projecto desde a primeira hora.
Certo de que V. Exa. tomará as providências necessárias para restaurar a configuração original do Carsoscópio – Centro de Ciência Viva do Alviela e que este voltará a ser um pólo dinamizador do turismo no concelho desta vila, aceite os meus melhores cumprimentos.

quarta-feira, outubro 06, 2010

Açores na rede

Há um novo portal sobre o Ambiente terrestre dos Açores. Foi maioritariamente produzido por um amigo e é uma ferramenta estupenda para explorar a bio e geodiversidade da região. Ora espreitem: aqui.

terça-feira, setembro 07, 2010

O meu nome em hieróglifos



Com a preciosa ajuda do professor Luís Manuel de Araújo, que verteu os caracteres latinos para hieróglifos egípcios.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Legendas criativas



Desconfio que a legenda que ontem saiu no "Público" a acompanhar esta imagem está errada. Ou isso ou a história da simpática missionária nascida na Macedónia e naturalizada indiana está muito mal contada. Parece que estou a ver o trailer do filme: "Ela é uma freira que quer salvar o mundo. Conhece apenas uma linguagem ...– a da bazuca. Teresa de Calcutá, uma santa na obscuridade".

quarta-feira, agosto 04, 2010

Carlos Almaça (1935-2010)

Faleceu Carlos Almaça.
O professor Almaça foi um mestre e um bom amigo da revista National Geographic. Começámos com o pé esquerdo, há mais de uma década. Quis ouvi-lo sobre a introdução do evolucionismo na academia portuguesa e interroguei-o displicentemente, sem ter lido as suas obras e artigos académicos. Precisava apenas de duas frases de discurso directo, mas essas linhas custaram-me a primeira reprimenda.
- Leu "A Origem das Espécies" de Darwin?, perguntou.
- Li partes, respondi com displicência.
- Então leia tudo, do princípio ao fim, e depois falamos, ripostou, sem me dar tempo para mais explicações. Com ele, ou se sabia, ou não se sabia.
Daí para a frente, prolongámos este ritual várias vezes. Era um especialista na história da ciência portuguesa, uma disciplina tão esquecida pela academia. Recorri ao professor Almaça muitas vezes, pedindo-lhe conselhos e opiniões. Nunca mais me esqueci da primeira conversa e não voltei a abordá-lo sem ter lido exaustivamente tudo o que encontrava sobre cada tema.
Falámos no mês passado pela última vez, como tantas vezes tínhamos feito. Ajudou-me então a separar o trigo do joio numa peça sobre os naturalistas portugueses do século XIX. A voz tremia, a respiração já era irregular, mas mantinha a lucidez de sempre. Recordo com emoção a sua defesa obstinada da ciência portuguesa e dos seus profissionais. Nunca me deixava começar a lengalenga do "país rural, quase analfabeto, com uma ciência atrasada". Batia-se pelos seus pares oitocentistas. Defendia-os. Citava exemplos e causas nobres e lembrava contextos adversos. Era um homem da ciência.
Estou desolado.

domingo, abril 11, 2010

O acesso à profissão de jornalista

Declaração de interesse: para além de profissional de jornalismo, sou docente convidado numa faculdade de ciências humanas em Lisboa. É legítimo, pois, concluir que tenho interesse em promover o debate sobre o ensino do jornalismo em Portugal.

Imagine-se sentado numa mesa de operações, prestes a ser submetido a uma intervenção cirúrgica, quando descobre que o indivíduo que o vai operar não concluiu a sua formação, embora os colegas reconheçam que ele até tem jeito para o bisturi. Em alternativa, transporte-se para um tribunal, onde o advogado que o vai defender acumula vinte anos de tarimba, mas não passou pelo exame dos pares exigido pela lei. Ou o farmacêutico que o atende e lhe explica que se foi oferecer à farmácia quando era novo e foi aprendendo por tentativa e erro as virtudes dos medicamentos.
Insólitas na medicina, na advocacia ou na farmácia, estas situações são comuns no jornalismo. Esta é uma profissão onde, contra todas as expectativas, os candidatos desconhecem os requisitos de acesso e as provas indispensáveis ao acesso à redacção. As redacções continuam repletas de jornalistas que se candidataram espontaneamente ou responderam a concursos e foram admitidos depois de períodos – longos ou curtos – de colaboração regular disfarçada.
A identidade de qualquer profissão expressa-se na fronteira traçada por um conjunto de normas universalmente aceites de acesso à profissão e pelo reconhecimento externo de que os profissionais que as cumpriram são os únicos com um mandato social para desempenhar as funções. Como um recente ensaio de Sara Meireles Graça demonstra , o acesso às redacções portuguesas é desregrado, dependendo mais da vontade da hierarquia e das administrações das empresas jornalísticas do que de qualquer outro critério.
Com centenas de candidatos espontâneos a afluir às redacções todos os anos, o jornalismo personificou a lei da selva de Kipling, criando uma legião de trabalhadores com vínculos instáveis, mal remunerados ou nem sequer remunerados e facilmente substituíveis pelos empregadores. Sem regulação no mercado, a profissão perdeu estatuto social, estabilidade e independência.
O Estatuto do Jornalista de 1999 evitou uma decisão categórica sobre a questão. Impôs obediência ao código deontológico, o exercício permanente e remunerado de funções, a escolaridade obrigatória, quatro anos de experiência ou tarimba e um estágio obrigatório de 24 meses, teoricamente orientado por um jornalista, mas efectivamente sem regras. Uma alteração legal, publicada em 2007, valorizou um pouco mais a licenciatura, reduzindo o estágio dos licenciados de 18 para 12 meses e obrigou as empresas de comunicação social a comunicarem à Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) e ao conselho de redacção (se existente) a admissão de todos os estagiários e o nome dos orientadores. Que se saiba, esta informação nunca foi submetida.
Há um enorme lirismo na exaltação das virtudes dos saberes complementares que se juntam nas redacções e da tarimba como escola de vida. Pedindo desculpa aos muitos jornalistas que conheço e que compensaram a ausência de formação específica com o saber acumulado na redacção, considero que esse acesso franqueado constitui ainda um contributo para a amálgama identitária referida.
O problema de fundo continua a ser a falta de uniformidade nos mecanismos de acesso. Impõe-se, a meu ver, a uniformização curricular das licenciaturas que pretendam formar jornalistas, incorporando a dimensão técnico-profissional nos programas, sem desleixar a dimensão deontológica, a preparação tecnológica e o enquadramento profissional num contexto mais amplo de preparação intelectual. Impõe-se a redução e triagem das instituições credenciadas para fazer esta formação. Impõe-se o recurso a jornalistas e a empresas de jornalismo para colaborar na construção destes programas. Impõe-se ainda a credibilização do estágio de acesso à redacção e da respectiva orientação. Impõe-se por fim a vigilância e sanção dos profissionais não certificados que, como o médico que se prepara para operar sem licença, não estão credenciados para o fazer.
Uma das limitações do Estatuto do Jornalista é a designação do poder de atribuição e cassação da carteira profissional à CCPJ, presidida por um juiz. Essa formulação constitui uma ingerência intolerável no processo de formação profissional, uma regulação externa que, em conformidade com as ideias acima expressas, deveria recair exclusivamente sobre os ombros de jornalistas. Será mais um elemento para o debate que urge fazer sobre a oportunidade e mérito de estruturar o jornalismo em torno de uma ordem profissional.