terça-feira, maio 21, 2019

No bunker de Hitler


Desde 2017 que há uma oportunidade para os visitantes de Berlim se embrenharem na escalada perversa que conduziu ao colapso do Reich. Chama-se Berlin Centre e fica simbolicamente a cem metros da estação de Anhalter banhof, cenário central de vários actos da consolidação e queda do nazismo. É o bunker onde Hitler se matou, mas nada ali desperta fanatismos mórbidos. Creio que essa é a lição. Foi tudo normal. O terror, o seguidismo, o ódio, a fé inabalável na superioridade, o colapso...
Como numa tragédia em cinco actos, somos sacudidos de piso para piso, de sala para sala. De vez em quando, o narrador pergunta: “How could it happen?” Ao fim de duas horas, torna-se mais plausível. Poucos foram obrigados a cumprir ordens – escolheram fazê-lo por motivos mesquinhos ou ideológicos, mas poucos foram forçados. 
Não tirei fotos, nem elas são encorajadas.


À saída, o visitante é confrontado com a obra monumental de Harald Sandner, o historiador que dedicou a vida a mapear o terror à escala individual. Assumiu a obsessão de documentar onde Hitler esteve em todos os dias da sua vida desde o momento em que assumiu a liderança do partido. 
Folheio os quatro volumes. Procuro uma data – 31 de Janeiro de 1935. Lá estão os nomes que procuro. Armando Boaventura (no livro, Bonaventure) e Félix Correia (no livro, Goreira) conversam com o Führer. Os jornalistas do Diário de Notíciase do Diário de Lisboasaíram encantados do encontro e escreveram prosas que envelheceram mal, para ser benevolente.
Tinha de ser assim? Não. Como muitos outros, escolheram o lado que parecia mais promissor. Também é sobre homens como eles que esta história se escreve.