sexta-feira, agosto 12, 2016

A ave e o jornalismo de proximidade

Fotografia de Luís Ferreira. Selvagens, Madeira.
Há uma dimensão poética nas missões solitárias como aquela a que o fotógrafo Luís Ferreira se dedica nos últimos cinco anos, tanto mais que ela foi abraçada sem qualquer garantia de publicação futura. Como nos filmes de aventuras, o Luís atirou-se primeiro para o vazio, na esperança de que, do lado de lá, existisse algum ponto de apoio. E existia.
Durante cinco anos, sempre que pôde, o fotógrafo trabalhou na maioria dos ilhéus e ilhas mais remotos do território português. Não haverá aliás muitos indivíduos que possam, como ele, gabar-se de já terem pisado as Desertas e as Selvagens, as Berlengas, o Corvo e o ilhéu de Vila Franca do Campo, bem como as maiores ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira. Nada, no projecto, tinha dimensão turística ou idílica – como um pisteiro, o Luís perseguia uma ideia e não uma paisagem.
Publicamos, na edição de Agosto da revista, uma amostra reduzida do seu extraordinário trabalho fotográfico com as cagarras, uma das poucas aves que nidifica nos Açores, na Madeira e em Portugal Continental (se fizermos o jeitinho de considerarmos as Berlengas neste lote).
A cagarra não é um objecto de trabalho fácil, apesar de razoavelmente abundante nos contextos insulares. Os seus hábitos nocturnos dificultam a vida de quem precisa da luz como de pão para a boca. A exuberância dos seus comportamentos expressa-se sobretudo lá longe, no oceano, onde nenhum humano consegue acompanhar a extraordinária obstinação migratória da ave. E os comportamentos mais raros – aqueles que foram vistos por escassos peritos – têm lugar em curtos intervalos de tempo durante o ano.
Para enfrentar esta montanha de adversidades, o Luís contou com o apoio precioso da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), à qual a revista fica a dever mais um gentileza entre muitas outras. Os biólogos da SPEA concederam acesso total às suas operações, assim o Luís conseguisse acertar o seu relógio biológico pelo dos especialistas, que visitam ninhos à noite e fazem três rondas durante ciclos de 24 horas para pesagens e medições.
O resultado do projecto – ou melhor, uma amostra do projecto – pode ser consultado na edição de Agosto da National Geographic. Algumas das fotografias registam momentos que até à data ainda não tinham sido captados nesta espécie. A ciência, produzida pela SPEA em mais de uma década de trabalho com as áreas importantes para as aves no Atlântico Norte, é entusiasmante. E fica entretanto prometido um livro, co-assinado pelo Luís Ferreira e pelo Pedro Geraldes, onde toda a diversidade fotográfica captada em cinco anos no campo pode ser apreciada.
Com frequência, chegam à redacção da revista propostas ousadas de aventureiros dispostos a explorar os confins mais distantes do globo para relatar a história das suas vidas. O projecto fotográfico do Luís Ferreira acaba por sublinhar uma dimensão omnipresente naquilo que fazemos, enunciada em 1888 pelos fundadores da National Geographic Society: interessa-nos o mundo e tudo o que ele contém.
Com frequência, a história de uma vida pode estar mesmo ao virar da esquina. Basta encontrar uma narrativa que os outros queiram ouvir.