terça-feira, março 25, 2014

Assalto, por Mohlitz

Conheço mal Philippe Mohlitz, notável ilustrador e gravurista francês, mas este trabalho fascina-me. Mohlitz chamou-lhe “Assalto”. Representa um homem cercado por todos os lados por perigos reais ou imaginários. Devorado pela ansiedade, produz incessantemente, sem reflexão. Despacha serviço mecanicamente na esperança de que a ameaça que o sobrevoa diminua. Está num ponto mais elevado daquela realidade, mas não tira partido disso. Demasiado absorvido pelas tarefas que o assaltam, não é difícil prever que aquele homem angustiado vai perder brevemente o combate e será submerso pelos invasores.
Mohlitz, repito, chamou “assalto” a esta visão. Creio que a sua intenção foi satirizar o individualismo criativo, condenado nesta época de globalização mecânica.

Poderia ter-lhe chamado “jornalismo”.

sexta-feira, março 14, 2014

Sempre Urbano




O Clube de Jornalistas lançou mais um número (o 56) da revista "Jornalismo e Jornalistas". Adivinho em cada número uma luta – luta contra a frieza dos números, mas também dos homens e do mundo dos media, pouco dado à reflexão e com escassa disposição para o debate.
Esta edição traz à estampa um texto que escrevi pouco depois da morte de Urbano Tavares Rodrigues no Verão do ano passado. No Cairo, Urbano foi repórter, pintando com as cores da literatura o acontecimento de implicações mundiais desencadeado por Nasser. Na mesma edição, Rogério Santos escreve sobre o Rádio Clube Português, Francisco Belard discute os estrangeirismos assimilados pelo nosso jornalismo, José António Cerejo e Anabela Fino debatem as encruzilhadas da profissão, Paulo Martins diagnostica o futuro dos Conselhos de Redacção e o sempre mordaz Álvaro Costa de Matos lembra como Bordalo Pinheiro desenhou Rodrigues Sampaio.
A revista pode ser consultada aqui.
No artigo que assino, as ilustrações saíram do estirador de dois talentosos desenhadores que, por enquanto, assinam com a chancela Draftmen. Boas leituras!

quarta-feira, março 12, 2014

Do cobre e dos estrondos


No dia 26 de Janeiro de 2006, saí cedo de Lisboa para esta reportagem. Eram sete da manhã e já estava à porta da mina da Somincor em Castro Verde. Passei o dia lá em baixo, com o Antonio Cunha e o geólogo Gonçalo Barriga. Aproveitando o pico mundial de consumo de cobre e estanho, a mina fervilhava de actividade. Sucediam-se explosões para abrir novos segmentos na rocha e encontrar filões de cobre – generosos veios verdes-azeitona no meio da rocha castanha. "São os chineses, pá. São os chineses", dizia um dos mineiros para outro, explicando-lhe a explosão do preço do cobre que ressuscitava a Somincor da dormência.
A pé e em camiões, estivemos lá em baixo, sob calor tórrido e humidade, até às sete da noite. Dei por mim a pensar como consegue aquela gente aguentar a vida na mina todos os dias. Sem ver luz. Sem ver o Sol. Abafada por um manto pegajoso de calor que tolhe os movimentos e abafa a resolução.
Meti-me ao caminho para Lisboa, mas quase não cheguei. Adormeci ao volante, dei umas cambalhotas na auto-estrada e, enquanto bailava entre faixas, falhei por um triz um carro lançado na direcção contrária. Fui desencarcerado meia hora depois com umas amolgadelas sem repercussões.
Ontem, voltei ao Alentejo depois de mais uma reportagem com o António. Ainda não estava a passar a ponte e recebi o telefonema da praxe: "Compadre Gonçalo, é só para saber se chegaste bem. Quando sais daqui, só descanso quando te sei em Lisboa..."
São assim os amigos!

Fotografia, claro está, do Antonio Cunha.