segunda-feira, maio 22, 2006

Jeitos


Terrivelmente desfocados por inépcia do fotógrafo, Guilherme Oliveira Martins, António José Teixeira e Marcelo Rebelo de Sousa.

Admito que nunca tinha escutado Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) ao vivo. Fiquei desiludido.
Reconheço também que nunca tinha escutado Guilherme Oliveira Martins (GOM) ao vivo. Fiquei francamente agradado.
A pretexto dos 135 anos das Conferências Democráticas de 1871, ditas do Casino, o Centro Nacional de Cultura organizou ontem, no Centro LiberOffice, ao Chiado, a primeira conferência do casino do século XXI. Mais de cinco dezenas de pessoas encheram a sala, porventura guiadas pela aura lendária do orador principal. Arrisco que algumas, no final, tenham ficado convertidas à capacidade de GOM, ele sim, legítimo palestrante da causa e, já agora, herdeiro directo de um dos oradores oitocentistas.
É certo que MRS é charmoso. É divertido. A espaços, provocou gargalhadas, ora comparando os casinos de Lisboa de 1871 e de 2006 ("muito menos controverso o do século XIX"), ora rapidamente transformando o incómodo de um toque de telemóvel num momento de pausa e descontracção. Mas MRS deixou transparecer a ideia (porventura injusta) de ter aterrado no Chiado de pára-quedas. De ter escutado vagamente o que os oradores anteriores disseram e de ter escrito apressadamente, no verso de um guardanapo, meia dúzia de ideias-fortes para a sua intervenção. É certo que meia dúzia de linhas chegam, e sobram, para MRS discorrer longamente sobre Portugal, a modernidade, a descolonização, a linhagem de GOM (palavra!) ou o pedigree dos Rebelo de Sousa (aqui, reconheço, já há exagero da minha parte).
Oliveira Martins fez o contrário: leu efectivamente os relatos das velhas conferências. Divertiu a audiência (António José Teixeira, inclusivé) com passagens de jornalismo arcaico do "Diário de Notícias" (seriam assim tão arcaicas?). Encontrou trechos simbólicos das intervenções de António Sérgio, de Eça e sobretudo de Antero de Quental. Fez a sala pensar com passagens de inquestionável actualidade e com textos inevitavelmente datados. Quase que garanto que o fantasma de Antero, seguramente presente na sala, cofiou lentamente a barba enquanto anuía, pensativo.
E assim se reiniciaram as conferências do Casino.
Dei por mim, minutos mais tarde, na Bertrand, a comprar as "Odes Modernas" de Antero.

quinta-feira, maio 18, 2006

Normas & Regras

Julgo que é relativamente consensual que temos uma boa lei de imprensa. Abrangente e actualizada, ela deveria ser o instrumento apropriado para regulamentar e delimitar a prática jornalística em Portugal. Delimitar, ela até delimita. Mas a sua aplicação chega a ser risível, espécie de espelho da nação, perfeita na forma mas imperfeita no conteúdo.
Instituiu-se, e bem, que os profissionais habilitados a exercer a profissão deveriam ser detentores de um título profissional. Assim se regulamentaria a profisão e se subordinaria os jornais e jornalistas ao código deontológico e às normas profissionais. O escrutínio da medida, porém, deixa a desejar.
Nos grupos de comunicação por onde fui passando, conviviam alegremente profissionais encartados e profissionais sem carteira profissional. Não por malícia ou artimanhas, sublinho. Simplesmente, a inércia levava a melhor e a regularização das suas situações profissionais ia sendo progressivamente adiada.
Diz a lei que todos os jornalistas devem deter o respectivo título até porque, ao abrigo da lei, eles são judicialmente responsáveis pelos textos que produzem.
Questão pertinente: como se responsabiliza alguém que não se conhece, que não está inscrito em qualquer associação profissional e sobretudo cujo nome, por acidente, é igual ao de outros profissionais?
Na era da interactividade, não resisto a propor um divertido exercício. Ora, vá à página da Comissão da Carrteira Profissional de Jornalistas (www.ccpj.pt). Folheie as páginas com os nomes dos profissionais inscritos (a lista é pública, não se envergonhe). Depois, lembre-se dos seus jornais e revistas favoritos. Prometo recompensas se, a cada três títulos, não encontrar pelo menos um com jornalistas fora da lei.
A lei até é relativamente boa, repito. Mas o legislador esqueceu-se que Portugal ainda é um posto avançado do Norte de África.

quarta-feira, maio 03, 2006

A culpa e nossa!

(Aviso previo: post afixado sem acentos por "culpa" do teclado anglofono em que escrevo. As minhas desculpas)

Acabo de participar num seminario de jornalistas onde, entre muitas coisas, se debateram pela enesima vez os problemas de enquadramento jornalistico nas reportagens de Ambiente e Conservacao. A questao nao e nova. Ha muito que escuto queixas, em reunioes deste tipo, sobre a deficiente cobertura jornalistica do mundo natural e dos seus problemas. Desta vez, porem, reconheco uma nuance: era consensual na sala que grande parte da culpa deve ser assacada a nos, jornalistas.
Encaremos a realidade: os enquadramentos nas reportagens de Ambiente sao banais e repetitivos. Obedecem grosseiramente a mesma matriz, repetida vezes sem conta, sem rasgo nem brilho. Alias, na redaccao onde trabalho, temos uma piada interna: a historia de Ambiente ou Conservacao tradicional invariavelmente descreve "como o ecossistema ou a especie em causa eram lindos e idilicos no passado. Numa segunda fase, da-se conta que anos de intervencao humana devassaram a realidade pristina e contaminaram-na para sempre. Agora, porem, um grupo intrepido de conservacionistas e legisladores tenta repor a normalidade." Esta tem sido a formula basica. E daqui nao saimos.
Reconheco com tristeza que, quando toca a questoes de Ambiente, os media mostram pouca imaginacao. Escolhem as mesmas situacoes, os mesmos conflitos primarios, os mesmos protagonistas. E um dia, inevitavelmente, o publico deixou de ler. E deixou de se preocupar.
Admiramo-nos quando as reportagens de Ambiente marcam poucos pontos nos inqueritos de leitores. Queixamo-nos que os investigadores e politicos nos dao sempre a mesma informaca basica. Mas nalgum ponto da estrada, teremos de parar, imaginar novas solucoes e voltar a interessar os leitores.
Uma das facetas mais fatigantes da cobertura noticiosa do Ambiente e o catastrofismo. Pintamos o mundo de negro, como essa fosse a nossa missao. Ha uns anos, publiquei, entre uma serie de reportagens sobre especies ameacadas, uma reportagem sobre o veado na serra da Lousa e o inacreditavel sucesso do projecto de reintroducao do animal. Recebemos um rio de cartas e e-mails - cinco, dez, vinte vezes mais feed-back do que o normal. Porque? Porque as pessoas reagiram, com alegria, a uma historia bem contada (a modestia em excesso e a vaidade dos tolos) e com um final feliz. E nos descobrimos que, para escrever sobre Ambiente, nao e necessario colocar os oculos escuros e narrar as sombras. Tambem ha luz no jornalismo de Ambiente e Conservacao.