sexta-feira, abril 29, 2005

Carrilho...


Ao ver Manuel Maria Carrilho compenetrado e absorvido pelo seu novo papel, marchando formoso mas não seguro, não contive uma gargalhada e lembrei-me deste velho "cartoon" do desenhador Quino.
O político jovial abraça correlegionários na rua, abraça operários, abraça camponeses, abraça universitários e, no final do dia, o mordomo queima as roupas poluídas pelo contacto humano excessivo... Que sacrifícios tem um homem de fazer para disputar um cargo político!
(gravura digitalizada de "Potentes, Prepotentes e Impotentes", Publicações Dom Quixote, Lisboa: 1990)
Clique na gravura para ver a imagem ampliada.

quarta-feira, abril 27, 2005

História Velha, História Nova

Há semanas, ouvi o jornalista Carlos Magno, ao microfone da Antena 1, evocar uma história deliciosa de propaganda, servilismo e adaptabilidade. Com a preciosa referência bibliográfica fornecida pelo comentador, dei com a citação completa que não resisto a partilhar com os leitores do Ecosfera. Com a devida vénia a Carlos Magno, pela recordação, e à "História da Propaganda", obra notável de Alejandro Pizarroso Quintero, editada pela Planeta Editora, segue a história:

Contexto: Em 1814, Napoleão Bonaparte abdicou do trono e exilou-se na ilha de Elba. O exílio durou pouco. Em Março de 1815, o ex-imperador regressou a Paris, provocando a fuga de Luís XVIII. Napoleão governou durante cem dias antes de perder a batalha de Waterloo. O seu regresso a Paris, depois do exílio, foi vivamente noticiado nas páginas do "Le Moniteur", num exercício de equilibrismo instável do jornal e dos seus repórteres. Como alguém dizia, eu não mudo de lado, os acontecimentos é que se alteram!..

Acompanhemos as manchetes:
«9 de Março: "O monstro escapou do seu lugar de desterro."
10 de Março: "O ogre corso desembarcou em Cap Jean"
11 de Março: "O tigre foi visto em Gap. Estão a avançar tropas de todos os lados para deter a sua marcha. Terminará a sua miserável aventura como um delinquente nas montanhas."
12 de Março: "O monstro avançou até Grenoble"
13 de Março: "O tirano está em Lião. Todos estão aterrorizados pelo seu aparecimento."
18 de Março: "O usurpador ousou aproximar-se até 60 horas de marcha da capital."
19 de Março: "Bonaparte avança em marcha forçada, mas é impossível que chegue a Paris."
20 de Março: "Napoleão chega amanhã às muralhas de Paris."
21 de Março: "O imperador Napoleão acha-se em Fontainebleu."
22 de Março: "Ontem à tarde, Sua Majestade fez a sua entrada pública nas Tulherias. Nada pode exceder o regozijo universal."
(in "História da Propaganda", pg. 113)

Tamanha maleabilidade. Tamanho espírito de sacrifício. Estrondosos golpes de rins. Terá esta história com quase duzentos anos alguma actualidade?

domingo, abril 24, 2005

Cinco minutos com o ministro

Suponha que dispõe de cinco minutos a sós com o ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (não se assuste, apesar do nome pomposo da pasta, há apenas um ministro para tutelar este mundo). Dispõe de cinco minutos sem interrupções, assessores ou perturbações provocadas pelo zumbir do telemóvel. O que perguntaria ao ministro Nunes Correia?
Admitamos como princípio que o famoso estado de graça se esgotou. Já lá vão dois meses (desde quarta-feira passada) sobre o dia das eleições e assume-se que o titular da pasta já começou a “dominar os dossiers”, eufemismo moderno utilizado normalmente para simbolizar o tempo que um político, que pouco ou nada dominava sobre a área que vai tutelar, precisa para poder proferir duas frases coerentes sobre ela. Ora, continuando na mesma linha de raciocínio, que perguntas desejaria fazer ao ministro? Por outras palavras, quais são as questões de fundo para o Ambiente nesta legislatura? Naturalmente, cada leitor terá questionários orientados para diferentes temas. Da minha parte, estas seriam as cinco perguntas fundamentais:

1) A Directiva-Quadro da Água ainda não foi transposta para a legislação nacional e leva já ano e meio de atraso em relação ao prazo comunitário. O Plano Nacional de Água entretanto aprovado pouco mais é do que um maço de folhas bem intencionadas. Faz parte das prioridades do senhor ministro acelerar o processo ou o assunto não estará ainda resolvido no final da legislatura?

2) A publicação dos planos de ordenamento de algumas áreas protegidas foram encarados pelos os dois anteriores elencos da mesma forma que eu encaro a arrumação das minhas pastas e arquivos em casa: adiados para data mais oportuna. A publicação destes fundamentais instrumentos de gestão (e protecção) das áeas protegidas está para breve ou devemos aguardar mais dois anos de consultas públicas, sessões de esclarecimento e emendas aos planos originais?

3) O ministro anterior dedicou particular atenção ao incumprimento português das metas de emissões gasosas estipuladas pelo Protocolo de Quioto. Terá o senhor ministro vontade de continuar e acelerar o trabalho? Haverá alguma alma caridosa dentro do ministério que possa explicar agora aos portugueses quanto se pagará por cada ano de incumprimento?

4) Olhamos para Espanha e vemos um programa fundamentado de apoio à investigação, produção e consumo de energias renováveis. Em Portugal, energias renováveis têm sido sinónimo de construção de barragens hidro-eléctricas. Quererá o ministro explicar à nação que importância confere à utilização de energias renováveis, que sectores incentivará e, já agora, o que pensa sobre o curioso «lobby» do nuclear que, de quando em vez, se junta em almoços-convívio e ameaça pelos jornais avançar, e em força, pelo ministério que vossa excelência tutela?

5) Acredito, sem ironia, que o Verão quente que se aproxima provocará uma nova época terrível de incêndios florestais, dos quais o seu executivo não pode ser culpabilizado. Admiro inclusivamente o inquérito ao edificado ardido que o ministério, já sob sua administração, decidiu promover. Mas que medidas concretas de combate aos incêndios e de coordenação entre forças de bombeiros no terreno estão preparadas? Quero acreditar que o plano nacional de combate aos incêndios florestais não se limita a encomendar duas missas ao espírito santo, na esperança de que chova em Julho e Agosto…

Com a resposta a estas perguntas, dar-me-ia por satisfeito. Abro aliás o fórum aos leitores do Ecosfera: que outras perguntas poderiam ser colocadas a Nunes Correia em cinco minutos de conversa?

Hilariante


Sou apreciador de mensagens de parede. É um hábito doentio, mas acho piada aos mensageiros anónimos. Perto do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, descobri esta. O dístico (pouco nítido) diz: "Ainda bem que há pobrezinhos para as assistentes sociais poderem salvar o mundo!"

quarta-feira, abril 13, 2005

Sinónimos de energia

Na edição de 12 de Abril, o "Jornal de Notícias" (JN) publicou um inquérito a quatro transeuntes sobre eficiência energética. É um expediente normal, usado e abusado pelos jornais para dar voz às massas. Em quatro curtas declarações, os porta-vozes escolhidos ao acaso comentam um tema actual e aparentemente expressam a diversidade do pulsar da comunidade. À excepção talvez dos inquéritos do “Público” (que me dão sempre a ideia, talvez errada, de que os transeuntes são escolhidos a dedo ), a secção de inquérito é um fórum exterior ao jornal, uma concessão da publicação à comunidade.
Este inquérito do JN pareceu-me um verdadeiro espelho da nação, da sua percepção colectiva e da sua habilidade (ou falta dela) para lidar com políticas de longo prazo. Ora atentem:
A pergunta do dia era: “A subida do preço do combustível leva-o o alterar os hábitos de utilização do carro?”
Responde o empresário: “Não. Sou obrigado a andar de carro.”
Acrescenta o segurança: “Mudei um bocadinho. Já não dou voltas tão grandes ao domingo. Mas levo o carro para o emprego porque lá tenho lugar.”
Junta a contabilista: “ Noto a diferença de preço, mas, mesmo que quisesse optar por alternativas mais baratas, não ia conseguir conciliar.”
Remata o escriturário, mais profundo e ponderado: “Não mudei porque utilizo o automóvel para levar o miúdo à escola e para deslocar-me ao emprego. Sou contra o aumento. Considero que as gasolineiras, em vez de darem pontos aos clientes, deviam baixar os preços.”
Verdadeira metáfora da nação. Das duas, uma: ou o inquérito não colheu uma amostra representativa (é bem possível), ou vamos chegar a um ponto razoável de eficiência energética lá para 2100. Quando as gasolinas já não derem pontos e as voltas ao domingo forem mais curtas!

segunda-feira, abril 11, 2005

Dinossauros por extinguir

Depois de dez dias de intenso trabalho, volto ao contacto com os leitores. As minhas desculpas pela ausência de sinais de vida…

A autonomia do poder local deriva directamente do pós-revolução e ninguém duvida que foi uma conquista saudável, em nome da descentralização. Os princípios inerentes a esta modificação do sistema político, então como hoje, eram nobres: dotar as instâncias locais e regionais de poder financeiro e de responsabilização directa, aproximá-las das populações e das suas necessidades e desonerar o governo central da necessidade de resolver à distância problemas minúsculos – da rotunda no centro da vila ao saneamento do largo principal.
A prática, porém, não tem merecido tantos encómios. Em alguns pontos do país, criaram-se coutadas, terras onde impera a lei do faroeste e onde o xerife é incontestado. Não é preciso procurar muito. De A a Z, os exemplos abundam. Alguns fazem-nos rir e, no íntimo, escarnecemos dos tolinhos locais que votam sistematicamente no mesmo bigode ufano, ou na mesma careca, ou no mesmo par de óculos. Outros chocam-nos porque desrespeitam a lei e disso se ufanam em público. Outros ainda operam em municípios pequenos, que raramente encontram brechas nas secções locais dos jornais e televisões e por isso nunca chegam à arena nacional.
Há uma semana, o executivo anunciou a reciclagem do velho projecto de limite dos mandatos políticos – projecto aliás cuja paternidade até parece pertencer ao PSD. Aparentemente, os dois principais partidos estão de acordo e poder-se-á avançar para a indispensável revisão constitucional, que permita estipular um limite de 12 anos para os titulares do cargo de primeiro-ministro (três mandatos), presidente de governos regionais e, ao que se ventilou, presidentes da câmara.
Esperei, sentado e quieto, pela primeira reacção. Aos microfones da TSF, escutei o presidente da Associação Nacional de Freguesias, que até nem se opôs. Considerou a medida justa e até avançou que a mesma poderia ser pensada para abranger os titulares de pastas no executivo e mesmo os deputados. Seguiu-se o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Fernando Ruas. Balbuciou a frase de introdução (“até nem me oponho”), seguida do inevitável “mas”. Mas ela é desnecessária, anunciou. Em democracia, são os eleitores que devem limitar os mandatos. E se eles estão contentes com um edil há vinte anos, será justo retirar-lhes o direito democrático de serem governados pelos políticos da sua preferência?
Discordo profundamente.
Teoricamente, o serviço político em instâncias de poder local, regional ou nacional é isso mesmo: um serviço. Uma requisição temporária do indivíduo, finda a qual, cumprido o seu exercício de cidadania com nobreza e honradez, se devolve o indivíduo à procedência. Uma câmara municipal não é uma fonte de emprego, pelo menos para políticos. Não cabe ao município vestir e calçar o candidato até à velhice. O princípio de raciocínio está errado a partir do momento em que há presidentes da câmara no activo desde a década de 1970. Ou presidentes de governo regional. Ou deputados.
PS e PSD parecem estar de acordo quanto à necessidade de aplicar este novo critério já para as eleições autárquicas de Outubro. Mas esta revisão, como outras, tem curiosas nuances. Antecipo duas perguntas: num caso como o de Avelino Ferreira Torres, presidente ad eternum de Marco de Canaveses e aparente novo candidato a Amarante, como se procederá a contagem dos mandatos? Em princípio, fiel ao espírito da limitação, fulano X não pode cumprir mais de 12 anos à frente da Câmara Y. Mas se ele cumprir entretanto quatro na câmara W, já pode? O conta-quilómetros volta a zero?
E já agora, pensando em alguns especialistas de poder local e central: o tempo de serviço de um deputado da nação poderia ser acumulado com a vigência numa autarquia? E intercalado? Quem sabe se criamos uma nova roda da sorte e, daqui a uns anos, temos Alberto João Jardim em Sever do Vouga, a cumprir quatro anos de penitência, antes de iniciar nova série de mandatos no governo regional? Criávamos o princípio do governante rotativo. Era da maneira que ouvíamos Sever do Vouga queixar-se dos custos da interioridade - com algazarra e fogo de artifício.