Depois de dez dias de intenso trabalho, volto ao contacto com os leitores. As minhas desculpas pela ausência de sinais de vida…
A autonomia do poder local deriva directamente do pós-revolução e ninguém duvida que foi uma conquista saudável, em nome da descentralização. Os princípios inerentes a esta modificação do sistema político, então como hoje, eram nobres: dotar as instâncias locais e regionais de poder financeiro e de responsabilização directa, aproximá-las das populações e das suas necessidades e desonerar o governo central da necessidade de resolver à distância problemas minúsculos – da rotunda no centro da vila ao saneamento do largo principal.
A prática, porém, não tem merecido tantos encómios. Em alguns pontos do país, criaram-se coutadas, terras onde impera a lei do faroeste e onde o xerife é incontestado. Não é preciso procurar muito. De A a Z, os exemplos abundam. Alguns fazem-nos rir e, no íntimo, escarnecemos dos tolinhos locais que votam sistematicamente no mesmo bigode ufano, ou na mesma careca, ou no mesmo par de óculos. Outros chocam-nos porque desrespeitam a lei e disso se ufanam em público. Outros ainda operam em municípios pequenos, que raramente encontram brechas nas secções locais dos jornais e televisões e por isso nunca chegam à arena nacional.
Há uma semana, o executivo anunciou a reciclagem do velho projecto de limite dos mandatos políticos – projecto aliás cuja paternidade até parece pertencer ao PSD. Aparentemente, os dois principais partidos estão de acordo e poder-se-á avançar para a indispensável revisão constitucional, que permita estipular um limite de 12 anos para os titulares do cargo de primeiro-ministro (três mandatos), presidente de governos regionais e, ao que se ventilou, presidentes da câmara.
Esperei, sentado e quieto, pela primeira reacção. Aos microfones da TSF, escutei o presidente da Associação Nacional de Freguesias, que até nem se opôs. Considerou a medida justa e até avançou que a mesma poderia ser pensada para abranger os titulares de pastas no executivo e mesmo os deputados. Seguiu-se o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Fernando Ruas. Balbuciou a frase de introdução (“até nem me oponho”), seguida do inevitável “mas”. Mas ela é desnecessária, anunciou. Em democracia, são os eleitores que devem limitar os mandatos. E se eles estão contentes com um edil há vinte anos, será justo retirar-lhes o direito democrático de serem governados pelos políticos da sua preferência?
Discordo profundamente.
Teoricamente, o serviço político em instâncias de poder local, regional ou nacional é isso mesmo: um serviço. Uma requisição temporária do indivíduo, finda a qual, cumprido o seu exercício de cidadania com nobreza e honradez, se devolve o indivíduo à procedência. Uma câmara municipal não é uma fonte de emprego, pelo menos para políticos. Não cabe ao município vestir e calçar o candidato até à velhice. O princípio de raciocínio está errado a partir do momento em que há presidentes da câmara no activo desde a década de 1970. Ou presidentes de governo regional. Ou deputados.
PS e PSD parecem estar de acordo quanto à necessidade de aplicar este novo critério já para as eleições autárquicas de Outubro. Mas esta revisão, como outras, tem curiosas nuances. Antecipo duas perguntas: num caso como o de Avelino Ferreira Torres, presidente ad eternum de Marco de Canaveses e aparente novo candidato a Amarante, como se procederá a contagem dos mandatos? Em princípio, fiel ao espírito da limitação, fulano X não pode cumprir mais de 12 anos à frente da Câmara Y. Mas se ele cumprir entretanto quatro na câmara W, já pode? O conta-quilómetros volta a zero?
E já agora, pensando em alguns especialistas de poder local e central: o tempo de serviço de um deputado da nação poderia ser acumulado com a vigência numa autarquia? E intercalado? Quem sabe se criamos uma nova roda da sorte e, daqui a uns anos, temos Alberto João Jardim em Sever do Vouga, a cumprir quatro anos de penitência, antes de iniciar nova série de mandatos no governo regional? Criávamos o princípio do governante rotativo. Era da maneira que ouvíamos Sever do Vouga queixar-se dos custos da interioridade - com algazarra e fogo de artifício.
1 comentário:
Sólo pensaba que iba a comentar y decir que gran tema, ¿lo de código por sí mismo? Realmente parece excelente!
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