Está na moda escrever sobre a blogosfera, louvá-la, criticá-la, elevá-la à glória dos actos criadores geniais ou atacá-la sem piedade como se dela emanassem todos os suplícios da modernidade. Com persistência, os jornais generalistas que a tentam compreender associam-na ao jornalismo, comparam o poder do “blogueiro” com o do jornalista, medem, pesam, retiram a pulsação antes da dissecação final. Cada edição do jornal necessita de ser um fim em si mesmo, pelo que é forçoso que a realidade seja autopsiada no próprio dia. Em dez parágrafos, o jornal presume por isso que pode dizer tudo sobre a blogosfera. Este tipo de artigos é normalmente rematado com conclusões sobre fronteiras ténues, revoluções em tempo real, produtores individuais de conteúdo e, claro, abusadores anónimos. Estes são os chavões tradicionais das reportagens sobre a blogosfera. E o artigo de ontem do “Diário de Notícias” seguiu irritantemente o manual à letra.
Ocorre-me assim responder parcialmente à interrogação dos jornalistas do DN: que valores encontro na blogosfera portuguesa? Permitam-me que, utilizando a veia autoritária que os blogueiros pelos vistos possuem, só responda a parte da questão. Reformulo: que motivos me levam a consultar avidamente os blogues portugueses sobre Ambiente? Se percebi bem os artigos que entretanto li no “Público” e no “Tal & Qual”, há blogueiros sérios e outros menos sérios – à imagem dos merceeiros que enganam nos trocos e os outros, que são mais conscenciosos. Queira a graça dos leitores que o meu blogue não tenha passado o Rubicão da falta de seriedade. Seria lacuna imperdoável para mim, produtor individual de conteúdo.
Voltemos, no entanto, ao tema a que me propus. Há, ou não, blogues suficientemente diferentes em Portugal, concentrados exclusivamente no Ambiente? Resposta: há-os, garanto, para todos os gostos e respondendo a várias necessidades. Ora acompanhem-me numa rápida incursão pelas minhas principais referências.
Discussão política de Ambiente, encontra-se? Um pouco por todo o lado. Destaco o Ambio, produzido por representantes da comunidade académica. Actualiza a informação em média uma vez por semana. Tem dias felizes e outros nem por isso – como todos nós. Normalmente, concordo com as tomadas de posição, mas já discordei frontalmente com artigos ali publicados (como na apreciação do caso do lobo ibérico). É dessa diversidade também que se formam consciências.
Incontornável é o também o Estrago da nação. Produzido incansavelmente por um ambientalista e autor de uma obra de referência, traz-me informação curta e concisa. Promove sondagens. Dá sugestões. Alterna o comentário com a denúncia. Já não imagino a blogosfera sem ele.
Mais heterogéneo é o Reciclemos. Utiliza uma lente mais ampla e foca a sociedade civil portuguesa. Tem natural simpatia pelo Ambiente, mas não se cinge apenas às desventuras de ministros e biólogos. Algumas entradas têm humor comparável ao do Jumento ou do Minha Rica Casinha (também referências, mas noutras áreas). Aconselho vivamente a sua consulta como procedimento terapêutico depois da leitura inadvertida de reportagens sobre a blogosfera!
“Hard facts” existem? Onde se pode colher informação actualizada, global e comentada? Começo a visita diária normalmente pelo Ondas. É produzido por uma única pessoa, mas tem a rotina de um jornal diário. Por dia, traz à estampa pelo menos cinco notícias – do Alasca à Nova Zelândia, a actualidade ambiental é coberta com generosidade. Nos últimos tempo, noto, com agradável surpresa, que o Octávio Lima junta às notícias algumas investigações locais da sua lavra. Desde que comecei a consultar o Ondas, perdi o hábito de ler os despachos da Lusa sobre Ambiente. Creio que isso diz tudo.
O Ambientalistas é outra referência. Escolheu como vocação a apresentação de temas isolados e cumpre o papel na perfeição. Informação sobre poluição sonora? Encontra-a lá juntamente com ligações sobre legislação, estudos técnicos, exemplos noutros pontos do mundo. Actualização da classificação de zonas húmidas? Já eles trataram (eles porque julgo que há mais do que um produtor de conteúdo), e bem, do tema. Chamo-lhe a minha enciclopédia online.
Consulto com menos frequência o Energias Renováveis, mas considero-o um esforço louvável. Como o nome indica, está segmentado para tratar apenas da problemática da energia. Nas consultas que fiz, pareceu-me bem fundamentado e saudavelmente partidário da causa renovável. Tem talvez um formato menos agradável para consultas regulares, uma vez que divide intervenções por capítulos e exige do leitor muita memória. Não tenho informação sobre os editores deste blogue.
Segue-se o Bioterra. Este blogue é, para mim, a melhor prova de que o ângulo do texto do “Diário de Notícias” não tem justificação. Um blogue não tem de ser comparado a um jornal. Não compete com ele, nem o tenta imitar. Os textos do Bioterra são muitas vezes feitos de experiência pessoal e são válidos por isso mesmo. Ali, li alguns dos mais entusiásticos textos dos últimos tempos sobre Ambiente. Textos que, pela natureza septicamente objectiva dos jornais diários, provavelmente não seriam publicados no mundo impresso dos periódicos.
Fecho por isso a intervenção, que já vai longa, com a percepção de que a “revolução tecnológica”, o “novo poder da blogosfera” e os demais chavões valem o que valem. Da minha parte, não resumem toda a diversidade que encontro na natur… esfera portuguesa. Mas, pensando bem, li três reportagens sobre a blogosfera portuguesa no “Público”, no “DN” e no “Tal & Qual” e confesso humildemente que a suposta heterogeneidade da imprensa tradicional me pareceu muito artificial. Ou a diversidade estipula-se por decreto?
5 comentários:
Muito bem escrito. Quem me dera saber ter este poder de análise. O que tenho lido em língua portuguesa sobre blogues não passa de transcrição disfarçada ou paráfrase de textos que já li em língua inglesa, alguns através das dicas sempre actuais e actualizadas do António Granado do "Ponto Media". E, como a maior parte das vezes não se citam fontes, muitos de nós, em boa fé, chegamos a acreditar na suma sapiência dos ditos escribas. Obrigado pelas palavras simpáticas com que referiu o conteúdo do Ondas. Octávio Lima (pondas2.blogs.sapo.pt)
A associação de ecologia social Terra Viva! tem também, desde à pouco tempo, um blog. Esperemos que venha a contribuir para a riqueza destes blogs que referiu.
Vou aproveitar para actualizar a lista de blogs de ambiente com uma ou duas indicações referidas que faltavam.
Cumprimentos.
LF http://terraviva.weblog.com.pt/
Um blog excelente! Gostei muito, tanto dos temas como a forma como são tratados.
Parabéns!
Até agora só ainda tinha encontrado 1 texto que falasse sobre blogues ambientalistas na blogosfera, o do blogue Turing Machine (http://turing-machine.weblog.com.pt/arquivo/cat_hipertexto.html#108171).
Fiquei contente por ter encontrado esta análise, acho que está bastante clara e que é importante conhecer a opinião (por sinal bastante esclarecida) de outra pessoa sobre a imagem que os blogues ambientalistas deixam passar para quem os lê.
Tenho acompanhado de forma interessada o seu trabalho e apreciado muito os textos que escreve.
Termino agradecendo-lhe em nome dos colaboradores d'Os Ambientalistas o facto de ter referido de forma tão lisongeira o nosso blogue (sim, nós somos vários intervenientes).
O que me impeliu a criar o BioTerra?
Verifiquei que a cada ano lectivo que eu terminava, por mais estratégias e
planificações que utilizava nas aulas de Ciências Naturais/Biologia com os meus
alunos, em muitos deles apenas ficava uma idiea parcial e redutora do que é a
Conservação da Natureza, a Terra, a compreensão global do nosso planeta e sua
repercussão na cidadania.
Também ao longo dos anos de activismo ecológico, confronto-me com dificuldades
várias de sensibilização da população à minha volta (outros professores,
vizinhos, munícipes, industriais, etc) relativamente a estas questões.
Agradeço as palvras tão simpáticas e generosas com que referiu o conteúdo do BioTerra.
Um abraço
João Paulo Soares
http://bioterra.blogspot.com
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