quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Media Hypes



Está finalmente publicado o livro coordenado por Peter Vasterman, "From Media Hype To Twitter Storm", no qual colaboro com um capítulo. Editado pela Amsterdam University Press (AUP), foi um projecto que uniu investigadores de vários países da União Europeia que abraçaram o conceito de "onda noticiosa" proposto pelo Peter há cerca de 20 anos. 
Um dos entusiastas do livro e autor do prefácio, o professor Dennis McQuail, faleceu meses antes da conclusão da publicação para grande tristeza dos membros do projecto. De alguma maneira, o livro é-lhe dedicado.
Por extraordinária amabilidade da AUP, o livro fica disponível em acesso aberto. Aqui.
Cheers. 

sábado, fevereiro 10, 2018

A propósito da Celtejo, dos jornais e dos seus donos

Há uma história bestial contada por Artur Portela em Fotomontagem, romance de 1978 inspirado na fundação do Jornal Novo em 1975. Portela e Sasportes, ou João e Souzela, para nos mantermos fiéis ao espírito da obra, começam a empreitada com a apresentação do novo projecto jornalístico aos líderes partidários que se baterão em refregas eleitorais nos calores de 1975 e 1976.
Começam pelo Partido Socialista, onde encontram uma confusão épica. Ninguém sabe «do Mário» – um assessor acha que está no comício, outro crê que está com o ministro da Roménia. Tocam telefones. Multiplicam-se reuniões. Sobrepõem-se compromissos. Quando «o Mário», por fim, os recebe, tem a suprema dificuldade de conseguir que os assessores lhe tragam café e chá para as visitas. Os diálogos são memoráveis, como quase tudo o que Artur Portela escreve.
Na curta entrevista com o ministro, cruzam-se os propósitos empresariais e a desorganização burocrática.
«Dois cafés e um chá, sr. Ministro.»
«Não, um café e um chá!… Pois, mas já… Vocês desculpem. Este Ministério está todo assim. De resto, não só este Ministério.» (…)
«É um pouco para clarificar a situação que surge o nosso jornal.»
«Não ria, Souzela, não ria! Isto dos cafés e dos chás não se resolve com um jornal.»
Interrompe o contínuo.
«Há quem diga, aqui na antecâmara, que já são três cafés e três chás. Ora, os senhores são só três.»
«Homem, eu já disse, três ou quatro vezes, que é um chá e um café.»
«Pronto, sr. Ministro.»
«Sem leite!»
«Sim, sr. Ministro.»
João aproveita então para explicar o projecto:
«Pretendemos situar-nos num espaço entre o PC e o PS.»
«Qual espaço?»
«Num espaço entre o PS e o PC.»
«Percebi perfeitamente. Só não vejo esse espaço.»
Saem, amargurados (e sem que o chá e o café tivessem aparecido), em direcção à sede do Partido Comunista, onde explicarão o projecto do jornal «ao camarada».
«Passaram a outra sala igual: as mesmas paredes nuas, a mesma secretária. Ele estava a meio da sala, todo branco, cabelo e fato, na luz rasante que rompia pela janela.
‘Sentem-se onde quiserem.’
Só havia duas cadeiras, sentaram-se.
Ele puxava de um bloco, de um lápis.
E João:
‘Bem, nós cremos que interessa a um dirigente de um partido socialista saber que vai ser lançado um jornal socialista independente.’
E ele:
‘De quem é o jornal?’

Só isto. Nesta história anedótica com quarenta anos, encerra-se o funcionamento do jornalismo contemporâneo quando as crises tocam à porta.

«De quem é o jornal?» – devia ser a primeira pergunta do leitor. É mesmo a mãe de todas as perguntas.