terça-feira, fevereiro 05, 2019

A propósito de um pioneiro


Há oito anos, por generoso convite da Angela Mendonça e do Mário Jorge Freitas, participei num congresso em Florianópolis, na Universidade de Santa Catarina, sobre desastres naturais. Entre o grupo de oradores, estava um senhor de idade, já algo fragilizado, que sorria muito mas participava pouco nas charlas à refeição. Disseram-me que era Donald Hughes, um historiador. Não lhe liguei muito nas primeiras horas.
No primeiro dia do congresso, coube-lhe abrir a sessão. Caminhou com alguma dificuldade até ao pódio. Tinha uma apresentação com quatro ou cinco diapositivos – não mais do que isso. Tortura-me a ideia que me passou então pela mente: estaria ele ainda em condições de proferir uma palestra relevante para os alunos e investigadores da universidade e para os representantes de uma comunidade vizinha que fora assolada por um horrível deslizamento de terras (bem sei… a história repete-se)?
O Donald tomou a palavra e proferiu uma das mais extraordinárias palestras que ouvi sobre história ambiental. Falou sobre a ilha da Páscoa como paradigma de uma comunidade que esgotou os seus recursos e de alguma forma enfrentou a sua própria extinção. Abordou a história do mundo pelo ângulo da pressão ambiental e climática.
Apontou para nós, o grupo de dois ou três portugueses (estava lá o VascoGalante também), e lembrou que a história dos Descobrimentos e Expansão portuguesa poderia ser também explicada pela ausência e carência de recursos em cada ciclo. 
Falou de gregos e romanos. De Palmira e Petra. Falou para os colegas brasileiros e abordou a história da colonização da América do Sul por vagas sucessivas de culturas que tentaram tirar partido dos recursos e da tecnologia disponíveis, embora sempre à mercê de fenómenos climáticos. Não por acaso – disse –, nas culturas ameríndias são frequentes as divindades associadas aos humores do clima.
Quando regressei a Lisboa, encomendei os livros dele. Environmental Problems of the Greeks and Romansé delicioso. The face of the Earthé um tratado.
Soube hoje, através de um texto comovente da Ângela (um abraço, maruja!), que J. Donald Hughes faleceu esta semana.
Tenho muita pena.