quarta-feira, junho 05, 2019

A Biblioteca Museu República e Resistência



O senhor presidente da Câmara disse que ia fechar, a senhora vereadora assegura que não é para sempre. 
O senhor presidente da Câmara anunciou que as colecções da Biblioteca Museu República e Resistência vão para o Aljube, a senhora vereadora acha que faz algum sentido. 
O Aljube garante que não tem espaço (e se calhar interesse) no acervo de documentos e publicações sobre a geração que construiu a República. 
Mais acutilante (excessos da idade), a senhora presidente da Junta assegura que a Biblioteca já estava morta antes de fechar no próximo dia 15. «É um espaço morto», disse, com a repulsa que os cadáveres costumam provocar.
Tenho para oferecer o mero testemunho de leitor e frequentador assíduo do espaço. A Biblioteca não estava morta. Era mesmo o único espaço da rede de bibliotecas municipais onde os funcionários conheciam o espólio como a palma das mãos. Conheciam os leitores e sabiam o que estes estudam.
Há algumas semanas, um deles viu-me chegar e cochichou: «Tenho aqui uma coisa que lhe vai interessar. Sei que gosta de coisas esquisitas...» Contou-me que, na véspera, um respeitável ancião fora depositar na biblioteca o espólio do pai, militante ferrenho de um dos partidos fundadores da democracia. No espólio, reconheci uma edição do Jornal do Caso República em estado impecável – trata-se da publicação que Vítor Direito e Pedro Foyos, com sacrifícios e risco pessoal, puseram de pé clandestinamente quando as tipografias se recusavam a imprimir o seu República. É uma peça de museu se soubermos o que significa.
Era assim o «espaço morto» da Biblioteca do bairro do Rego. Habitado por pessoas vivas. Costumo brincar: o Google dá-me 10 mil respostas às perguntas que faço. Um bibliotecário que conheça o seu ramo dá-me a resposta certa.
A senhora vereadora assegurou ao Diário de Notícias que, durante o ano em que o espaço estiver encerrado, as equipas camarárias aproveitarão para catalogar o espólio documental, uma vez que muitos documentos permanecem em caixas. Contenho o riso, talvez por saber que as dezenas de cassetes gravadas nos colóquios e entrevistas de César de Oliveira e Pacheco Pereira com velhos anarquistas, carbonários e republicanos nos anos 1970 e 1980 desapareceram misteriosamente (dentro das suas caixas) quando a autarquia decidiu fechar a Biblioteca do Bairro Grandella.
A Biblioteca Museu República e Resistência extinguiu-se. Apagou-se um farol de cultura e esclarecimento. Tenham, ao menos, a decência de lhe fazer um funeral digno.

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