segunda-feira, agosto 27, 2018

Big Mal e Companhia # 3


«O Jordão era uma gazela em campo, nunca vi um atleta igual’, resume Marinho. ‘Nos treinos, desafiava-me: ‘Marinho, começas o sprint da linha de meio-campo e eu começo da grande área do topo norte. Vais ver que chego primeiro à linha de fundo do topo Sul.’ Começava a sprintar e era impressionante.»
Allison dirá: «Julgo que compreendi bem o Jordão e fiquei contente quando ele se reformou e disse que fui o melhor treinador que encontrou.»

sábado, agosto 25, 2018

O Bairro dos Jornais, de Paulo Martins


Diz-se dos faróis que têm a tremenda capacidade de iluminar a escuridão, lançando um foco de luz em todas as direcções, menos numa –  a dos seus próprios alicerces. De alguma maneira, esse é também o crime acumulado dos trabalhos já produzidos sobre a história do jornalismo português: concentram-se nos constrangimentos e na memória, nos méritos e fraquezas da prática jornalística, mas, até à publicação de O Bairro dos Jornais, poucos tinham ainda colocado o território de implantação dos jornais lisboetas como objecto de análise. Paulo Martins demonstra em 429 páginas que esse caminho estava não só por trilhar, como abria horizontes promissores.
O Bairro Alto, lembra Appio Sottomayor num prefácio caloroso, será porventura o único aglomerado lisboeta que se pode gabar de possuir uma certidão de idade. Sabe-se com precisão que tem 505 anos – nem um a mais, nem um a menos. Por ali passaram escritores e políticos, marialvas e actores, personagens respeitáveis e gente indecorosa. É, de certa forma, uma pequena cidade dentro da cidade, com regras e códigos próprios. Durante cento e oitenta anos, entre a década de 1830 e a actualidade, ergueram-se ali catedrais de papel e tinta, jornais bem sucedidos ou fracassados, sonhos concretizados e pesadelos inesquecíveis.
Fruto de uma recolha rigorosa, Paulo Martins mapeou as ruas do Bairro Alto e do Chiado (concessão geográfica que se percebe dadas as fronteiras difusas entre ambos e também o facto de algumas redacções saltitarem de um para o outro) em busca dos jornais que ali se instalaram. A lista é exaustiva e o trabalho de reconstituição da arqueologia dos jornais de Lisboa é digno dos maiores elogios. Nunca tal levantamento se fizera. A obra de Mário Matos e Lemos (Jornais Diários Portugueses do Século XX, Ariadne, 2006) raspou a superfície e produziu um primeiro censo. Paulo Martins completou agora essa recolha, com uma impressionante base de dados de nascimentos e óbitos periodísticos.
O Bairro dos Jornais é uma história do jornalismo de Lisboa, sem pretensões a assumir a configuração de a história. Caminha rua a rua, tropeçando em fantasmas do passado. Percorre edifícios palacianos convertidos em redacções e tipografias e dialoga com nomes há muito esquecidos. À boleia do livro, quase escutamos os ardinas da Guarda Avançada, o primeiro jornal apregoado e vendido pelas ruas de Lisboa. Capítulo a capítulo, mergulhamos nas tipografias, forjas de reivindicações sociais e verdadeiro coração da era das rotativas. Tão depressa nos emocionamos com o drama dos suicídios dos antigos trabalhadores de O Século e da República, subitamente privados de salários e atirados para a pobreza extrema pelo fecho dos seus títulos, como sorrimos, imaginando Rodrigues Sampaio, batendo-se em duelo de pistola com Santana de Vasconcelos, comendo biscoitos com displicência e disparando a mastigar.
Em O Bairro dos Jornais, há um equilíbrio difícil de manter entre a historiografia clássica e a anedota que aligeira o tom, mas ajuda a transmitir a mensagem. Mais do que num gráfico de barras ou num relatório financeiro, Paulo Martins conta que o verdadeiro sintoma da doença de um jornal emergente era o momento em que os ardinas começavam a chamar-lhe manteiga. Era certo que já ninguém lhe tocava. Que jornais modernos mereceriam hoje tal tratamento?
Numa história com quase dois séculos, consumiram-se sonhos e ousadias de várias gerações de jornalistas. Sucederam-se regimes. Travaram-se pactos de amizade imorredoura e geraram-se inimizades viscerais. Censura e polícia política conviveram nas mesmas ruas das redacções. Paredes escondiam ouvidos indiscretos e forçavam cochichos. E as revoluções, claro, avançaram amiúde pelas portas de entrada dos periódicos, destruindo-os com a força criativa de uma erupção vulcânica. Quantos jornais republicanos e monárquicos destruídos pelas hordas cegas! Quantas balas disparadas à porta de O Século e de O Mundo!
Meticuloso e consultando uma variedade de arquivos que fortalecem os alicerces do trabalho agora publicado, Paulo Martins traz também à liça informações e documentos inéditos ou poucas vezes contados. Revela por exemplo o papel de A Imprensa da Manhã no incitamento da matança de Outubro de 1921, conspirando, corroendo, instigando. No centro da crise que tomará a vida de Machado dos Santos e António Granja, está Esculápio, o jornalista que a posteridade teima em reconhecer apenas pela boémia e gazetilhas. Nas páginas do livro, desvenda-se também que a proclamação do general Gomes da Costa no golpe militar de 1926 teve a impressão digital de um homem dos jornais, Manuel Múrias, que fará depois carreira nos jornais da Situação. É igualmente pela pena de Paulo Martins que se conhece pela primeira vez uma denúncia dirigida ao próprio Oliveira Salazar, informando-o que os novos proprietários do Diário Popular (em 1954/55) resolveram uma disputa entre accionistas de revólver em punho!
Permita o leitor uma última nota impertinente: nesta Lisboa em convulsão turística, repleta de visitantes cativados pelos cheiros e cores da velha capital, não haverá ninguém na Câmara Municipal de Lisboa que utilize a matéria-prima documental agora publicada e crie um roteiro, um verdadeiro roteiro, do que foram os jornais no bairro dos sonhos?


Recensão publicada na revista Jornalismo e Jornalistas, 67, Julho/Setembro 2018, pp 64-65

sexta-feira, agosto 24, 2018

Big Mal e Companhia # 2


«Pedroto quebra o protocolo e não entrega a constituição da equipa. No Diário de Lisboa, Neves de Sousa, num assomo de coragem e honradez, paga-lhe na mesma moeda: na crónica de jogo, limita-se a escrever os números das camisolas dos jogadores vitorianos. ‘Actuaram 13 profissionais, numerados de 1 a 11, mais o 15 e o 16. O 15 foi para o hospital e o 6 viu o cartão amarelo’.»

segunda-feira, agosto 13, 2018

Big Mal e Companhia


Florença, 13 — Diz que o 13 dá azar, mas também foi o número do Gerd Müller no Mundial de 1974. Calhou ser hoje, 13, que o meu livro “Big Mal e Companhia” passa a estar disponível em pré-venda na Wook (http://bit.ly/big-mal-companhia) – na próxima semana, chegará às livrarias.
Alguns autores guardaram livros na gaveta até à morte. Este livro esteve escrito na minha cabeça desde uma certa tarde de 1981, em Alvalade, em que quase garanto que o António Oliveira esticou a linha de fundo um bocadinho mais para lá para arrancar um centro impossível que o Manel amorteceu, permitindo ao Jordão fuzilar um desgraçado de boné a quem coube o azar de defender uma baliza contra estes e outros monstros sagrados. O estádio de pedra estremeceu de puro gozo e um rapazinho acompanhado pelo pai percebeu que as coisas nunca mais seriam iguais.
Do livro, das peripécias e das histórias que só agora se podem contar com uma gargalhada ou com um sobrolho franzido dirão os senhores de vossa justiça quando – e se – o lerem.
Nesta fase, perdoar-me-ão, um mais que justo tributo aos antigos jogadores Ferenc Meszaros, Joaquim Melo, Antonio Fidalgo, José Eduardo, Francisco Barão, Augusto Inácio, Eurico Gomes, Francisco José Andrade (Zezinho), Virgílio Lopes, Mário Silva (Marinho), Ademar Marques José Elden Lobo, Mário Jorge, Vítor Esmoriz, Carlos Xavier, Carlos Freire, Alberto Nicolau, António Nogueira, Manuel Fernandes e António Oliveira, entrevistados durante horas a fio. Qualquer lapso de memória será da minha responsabilidade e não dos próprios.
Agradeço igualmente ao treinador Mário Mateus (Marinho), ao médico e amigo Manuel Pinto Coelho e aos dirigentes Armando Biscoito, Eugenio Ribeiro e João Xara Brasil que cederam tempo e interessaram-se pelo projecto. O agradecimento é extensivo aos jornalistas Daniel Reis, António Murillo Oeiras Lopes, Jorge Schnitzer, João Marcelino, Vítor Cândido, Jose Carmo Francisco e Luis Filipe Barros, que partilharam recordações e fizeram o que melhor sabem: contaram histórias. Sem eles, o livro não teria sido possível.
Noutra frente de batalha, disponibilizando contactos, sugerindo pistas, fornecendo documentos adicionais ou ajudando no esforço de revisão, o autor não pode deixar de agradecer a Isabel Lacerda, Miguel Valle de Figueiredo, André Pipa, Paulo Rolão, Helena Abreu, Luís Alberto Ferreira, Eugenio Queiros, Roger Spry, Christian N’Wokocha, Ricardo Porém, Miguel Sampaio, Paulo Garcia, Pedro Martins, Mário Moura, Rita Taborda, José Lorvão, Henrique Antunes Ferreira, João Mouro, Leonor Roque e à Embaixada da Hungria em Lisboa, que facilitou o contacto com Ferenc Meszaros. Por fim, os últimos a entrar em campo – mas de forma alguma suplentes na minha equipa: o meu agradecimento à Ana e ao Xavier.