E tu serás o leopardo. Serás ardiloso nas tuas emboscadas. Serás obstinado na tua acção. Serás matreiro e teimoso. Não abdicarás das tuas ideias mesmo que elas sejam nocivas para a tua espécie. Para que todos te reconheçam, terás pintas no corpo, que nunca se perderão.
Ocorreu-me esta fábula infantil enquanto relia o documento produzido pelo Ministério do Trabalho e das Actividades Económicas (MAET) para reduzir a dependência portuguesa face ao petróleo. Um ponto continua a intrigar-me: a criação da rede de postos de combustível que Álvaro Barreto considerou indispensável para o sucesso da operação de fomento de combustíveis alternativos ao petróleo.
Arthur Conan Doyle sempre disse que quando estiver excluído o impossível, tudo o resto, mesmo o mais improvável, deve ser verdadeiro. Todavia, na minha primeira leitura, confesso que interpretei o documento por simpatia. Associei a expressão "alternativos ao petróleo" como biocombustível e nunca me passou pela cabeça que poderia haver uma solução mais óbvia.
Pergunto: e se o MAET tiver em mente uma aposta considerável no gás natural enquanto combustível? A tese faz sentido, sobretudo para um ministro com o perfil de Álvaro Barreto. Aproveitando os valores actuais absurdos do barril de petróleo, Barreto podia promover uma aposta num novo combustível fóssil, uma nova matéria-prima que obriga Portugal a depender do estrangeiro e, ainda por cima, constitui também uma fonte finita. Há naturalmente vantagens na utilização do gás natural. É mais limpo do que os derivados de petróleo e permite diversificar as fontes energéticas, impedindo que toda a indústria automóvel dependa do mesmo recurso. Mas não diminui as emissões de CO2, como o fariam os biocombustíveis, pelo que não pode ser considerado uma ferramenta para cumprir as exigências do Protocolo de Quioto.
Como chego a esta conclusão? Se Barreto efectivamente quisesse apostar nos biocombustíveis (não como um balão de ensaio mas como uma fonte sustentada que pudesse equipar uma boa parte do futuro parque automóvel nacional), a rede actual de abastecimento de combustíveis seria suficiente. A experiência noutras paragens diz-nos que são as próprias concessionárias que se encarregam da mistura dos biocombustíveis e a incorporam nas suas estações, como mais um serviço disponibilizado. Os veículos actuais podem inclusivamente usar misturas de biocombustíveis com gasolina ou gasóleo em determinadas percentagens sem necessidade de alterar os motores. O único obstáculo é o facto de a produção nacional de biocombustíveis ainda ser insuficiente para dar conta do recado – e aí entraria um plano governamental de incentivo.
Com o gás, o caso muda de figura. O abastecimento com gás natural exige uma estrutura independente, alheia às petrolíferas que concessionam as estações. É uma área de negócio totalmente independente, que exige a extensão das infra-estruturas de distribuição de gás natural a todo o país, de forma a incitar o consumidor a adquirir um carro abastecido a gás natural sabendo que ele poderá ser reabastecido em todo o território. Essa rede ainda é limitada e, mesmo a pequena parte que já foi desenvolvida, obrigou os contribuintes a custear um investimento grotesco.
Assalta-me agora a dúvida? Que combustível alternativo tinha Barreto em mente? Será que o leopardo afinal não perdeu as pintas?
1 comentário:
Relativamente às eleições nos EUA
A América e a sua administração é mesmo um caso muito sério...Adivinham-se tb no horizonte novos blocos: a Asean, Liga Árabe e a Mercosul.
O "ecologismo" tem os seus dias difíceis nesta era do pensamento único e bipolar...tanto adverso à Ecologia e a uma visão sistémica do mundo.
Um abraço
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