A demissão de João Silva Costa da presidência do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) não surpreendeu. Sabia-se que o engenheiro hidráulico estava francamente desgastado por dois anos e meio de intensa actividade e que a recente redução do orçamento atribuído ao ICN pelo Orçamento de Estado para 2005 caíra mal. A saída, directamente para a empresa Águas de Santo André, era previsível.
Impõe-se nesta altura, e enquanto se discute arduamente o seu sucessor, traçar um balanço a estes dois anos e meio de gestão de Silva Costa. É inegável que a decadência financeira do ICN de hoje não se compara com os problemas de tesouraria de 2002. A crise agudizou-se, mas acredito que a responsabilidade não deve ser imputada ao presidente demissionário.
Silva Costa foi nomeado por Isaltino de Morais, a estranha escolha do executivo de Durão Barroso para o Ministério das Cidades, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Bem conhecido pelo seu trabalho à frente da direcção regional de Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo (onde escapou com distinção das "batalhas" rijas relacionadas com a construção da ponte Vasco da Gama), Silva Costa foi um nome bem recebido no interior da instituição. Em entrevistas e declarações públicas datadas de 2002, o engenheiro estabeleceu a seguinte lista de prioridades:
1) Aproximar a gestão das áreas protegidas das autarquias e, porventura, torná-las dependentes dos executivos camarários.
2) Finalizar todos os Planos de Ordenamento em falta nas áreas protegidas portuguesas.
3) Compensar as lacunas financeiras com o recurso a financiamento comunitário. Ao longo dos dois anos da sua presidência, Silva Costa foi constantemente recordado da sua ingénua proposta de que, por cada euro orçamental recebido do Estado português, o ICN deveria encontrar dois euros em financiamento europeu!
4) Travar os impulsos de investigação no seio do ICN, uma vez que não seria essa a vocação da instituição. Ao ICN, segundo Silva Costa, caberia a tarefa conservacionista. A investigação deveria ficar a cargo de universidades ou grupos independentes.
5) Investir fortemente no corpo de vigilantes, privilegiando a formação e a consolidação salarial deste núcleo tão importante de funcionários
6) Encontrar fórmulas criativas de receitas, nomeadamente através da cobrança de serviços normalmente oferecidos pelo ICN: pareceres às câmaras municipais relativamente a construções, taxas pela introdução de parques eólicos no interior de áreas protegidas, pagamento por serviços de guias e funções associadas em sessões de turismo ecológico...
Olhando para este ambicioso quadro programático, é legítimo concluir que SIlva Costa não teve sucesso à frente do ICN: é verdade que alguns planos de ordenamento foram publicados entretanto, mas este problema estrutural arrasta-se e ainda mantém na ilegalidade algumas áreas protegidas; é verdade igualmente que o ICN começou a cobrar alguns serviços (que deveria ter cobrado desde sempre), mas o seu peso nas receitas globais foi escasso.
Do lado mais pesado da balança, estão claramente os falhanços. O financiamento comunitário, embora razoável, nunca atingiu a meta ingenuamente estipulada e, pior do que isso, os dinheiros chegavam ao ICN, mas ficavam regularmente retidos antes de serem distribuídos aos respectivos projectos. Houve claramente um retrocesso na investigação da instituição que, acrescento, está precisamente vocacionada para coordenar esforços de investigação que permitam melhor direccionar as acções de conservação. Neste aspecto, o censo do lince ibérico entretanto desenvolvido foi uma excepção, uma gota de água num instituto que menosprezou uma das suas funções centrais nestes dois anos e meio.
Diria ainda que a aproximação das áreas protegidas à gestão autárquica também retrocedeu. E, neste caso, felizmente. Sou claramente suspeito para falar de gestão autárquica. Tenho uma péssima ideia da capacidade dos municípios para tomar decisões de âmbito ambiental. E antecipo com receio o dia em que um projecto desta natureza ganhar corpo, porque as câmaras municipais, salvo honrosas excepções, não têm sensibilidade ambiental, nem conseguem tomar decisões estruturais baseadas em valores simbólicos, como a preservação ou a conservação.
Por fim, não por responsabilidade de Silva Costa, o corpo de vigilantes do ICN é hoje mais reduzido do que em 2002. Há menos vigilantes, o quadro está mais envelhecido e não se consegue recrutar, porque não há dinheiro, nem se oferece segurança profissional.
Perante tudo isto, importa perguntar: como conseguiu João Silva Costa abandonar o ICN com o prestígio reforçado e sendo alvo de despedidas respeitosas no interior e exterior do ICN? Pelo que pude ver, João Silva Costa foi genuníno. Assumiu como suas as dores da instituição e nunca, em circunstância alguma, atacou ou deixou atacar a instituição a que presidia. Viu o orçamento regularmente retalhado e ripostou. Sentiu a perda de influência do ICN e contestou. Apercebeu-se de ataques a áreas protegidas e saiu em sua defesa. Não foi um presidente bem sucedido, como se viu em cima. Mas foi paradoxalmente um presidente que deixou saudades.
2 comentários:
Andava eu saltitando de blog em blog, qual elefante saltitando de nenúfar em nenúfar, e deparei-me com o Ecosfera... Como bióloga e como cidadã portuguesa não posso ficar indiferente ao tema! E aos assuntos tratados! E a forma.. Parabéns!
Obrigado pelas palavras amáveis. E volte mais vezes! Cumprimentos.
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