Há cerca de um mês, desloquei-me a Turim onde tive oportunidade de conhecer pormenorizadamente o funcionamento de uma organização não governamental (ONG) muito particular - a Rainforest Alliance.
Sediada em Nova Iorque e em San Jose (Costa Rica), esta ONG opera como um carimbo de validade ambiental. Empresas e estados solicitam a certificação ambiental para os seus projectos na floresta tropical centro-americana e a Rainforest estrutura cadernos de encargo, constituídos por várias etapas, antes de oferecer a sua garantia.
O processo é engenhoso e visa criar infra-estruturas que sirvam as populações locais muito depois de as empresas abandonarem a região. Pretende também educar locais e estrangeiros para as virtudes de comportamentos mais racionais na gestão da floresta, na utilização de cursos de água, no abate de árvores e até no tratamento dos solos.
Em Turim, tive oportunidade de analisar um caso concreto. Uma marca produtora de cafés solicitara os serviços da Rainforest Alliance para certificar as suas explorações de café em três países da América Central. Pretendia por isso ganhar o reconhecimento de uma entidade independente, que avalizasse as suas operações como parte "daquilo" que a ONG considera desenvolvimento sustentável. Foram impostas metas que fariam qualquer empresa empalidecer.
Foi dito aos produtores de café que seria imperioso que nenhuma das explorações afectasse os ecossistemas da região; que respeitasse, protegesse e reflorestasse todas as áreas onde operasse; que desenvolvesse mecanismos de prevenção e controlo de incêndios; que protegesse os habitats onde as explorações agrícolas seriam dinamizadas; que construísse melhores infra-estruturas para os trabalhadores (casas, escolas, estradas); que contratualizasse sempre os seus trabalhadores; que promovesse a liberdade de associação e de sindicalismo; que desenvolvesse serviços de assistência médica no trabalho; que consultasse e respeitasse as comunidades onde se inserisse; que não usasse pesticidas e respeitasse as práticas tradicionais agrícolas da região; que encontrasse forma de gerir integradamente os resíduos derviados da produção, reciclando-os, protegendo cursos de água e lençóis freáticos; que controlasse a erosão do solo através da reflorestação e da utilização periódica de novos solos...
Todas estas etapas foram vigiadas durante dois anos antes de ser concedida uma certificação. Aliás, é possível que o processo recue várias etapas se se detectarem comportamentos nocivos para o ambiente.
Neste momento, a Rainforest Alliance já certificou mais de 1.000 explorações agrícolas na América Central e a sua acção teve impactes directos na vida de 95 mil famílias (mais detalhes aqui).
Em Portugal, apenas em Novembro, acordámos com as notícias de que uma fábrica no estuário do Sado derramou os seus efluentes directamente no rio; que as minas de urânio de Canas de Senhorim continuam a operar com claro desrespeito pela população local; que algumas freguesias de Trás-os-Montes apresentam níveis de arsénio na água dez vezes superiores ao limite legal.
Isto passa-se em Portugal e não na América Central. Dá que pensar…
4 comentários:
O arsénio na água não é, que eu saiba, um problema de poluição ou falta de cuidado das autoridades. Trata-se de arsénio proveniente das rochas dos aquíferos subterrâneos dos quais a água é captada. Nenhum autarca tem culpa de que as rochas da sua região contenham arsénio. Aliás, é um problema que se pode desenvolver com o tempo: uma captação pode dar água sem arsénio e, passados uns anos, começar a ter arsénio.
O arsénio na água é um problema grave que afeta grandes regiões do norte da Índia e quase todo o Bangladesh, e ainda ninguém soube como resolvê-lo.
Agradeço o feed-back. Remeto a resposta para o próximo "post", que afixarei hoje ao fim do dia. Cumprimentos.
Neste post é feito um paralelo entre a contaminação de água com arsénio e a poluição das minas de urânio, etc. Ora, este paralelo é ilegítimo. É legítimo criticar as autarquias transmontanas por não fazerem todas as análises que deveriam fazer à água da rede pública; mas não é legítimo fazer um paralelismo entre a poluição do urânio, que é de responsabilidade (causa) humana, e a poluição com arsénio, que tem causas estritamente naturais.
Mais: a poluição com arsénio não dá má côr, cheiro ou sabor à água. Só pode ser detetada, a longo prazo, pelos problemas de saúde - nomeadamente, doenças da pele - que causa nas pessoas. Portanto, qualquer mau sabor ou côr escura que os transmontanos notem na água, nada tem a ver com o arsénio.
Mais ainda: quando alguém souber como resolver o problema da contaminação dos aquíferos com arsénio, isso erá uma fabulosa descoberta. Mais de metade dos habitantes do Bangladesh (i.e., mais de 60 milhões de bengalis) vivem com água com enormes teores de arsénio. E não sabem como se safar desse problema. Ao pé deste facto, os problemas de dois concelhos transmontanos são, literalmente, minúsculos.
Porventura expliquei-me mal, mas não pretendia comparar o caso do urânio em Canas de Senhorim com a recente polémica do arsénio na água de dois concelhos transmontanos. Pretendia, isso sim, listar três exemplos actuais de desrespeito pelos recursos locais. A poluição no Sado foi tão chocante como reincidente; a polémica de Trás-os-Montes revelou a incapacidade municipal para informar os cidadãos e para conduzir campanhas de minimização de impactes na saúde pública; a controvérsia em Canas de Senhorim foi escolhida por mim como exemplo de um país que extrai os recursos naturais concelhios sem compensar directamente as localidades afectadas. É talvez o antónimo mais perfeito de desenvolvimento sustentável.
As três polémicas são bem diferentes na essência, mas reflectem o mesmo problema de fundo. Cumprimentos
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