A recente vitória de George W. Bush nas eleições presidenciais norte-americanas terá forte impacte na política americana de Ambiente e, por arrastamento, na percepção global do tema. Dificilmente se encontraria outra área de intervenção onde o papel dos dois candidatos fosse tão díspar. Infelizmente para o ambiente, porém, a América votou na outra direcção.
Em primeiro lugar, contrariamente ao que sucedera há quatro anos, o Ambiente não teve honras de debate. Segundo a Fox, nos três debates entre os candidatos, houve apenas uma pergunta relativa à política ambiental dos dois candidatos. Definitivamente, estas eleições comprovaram a perda de influência do Ambiente na agenda política e esse facto terá forçosamente de motivar a reflexão dos ambientalistas. O Ambiente já não interessa transversalmente à sociedade americana. Todas as sondagens Gallup reflectem esta tendência. Tornou-se marginal, pelo menos no grande fórum de discussão americano, e essa perda de notoriedade provoca claramente repercussões noutras latitudes.
O próximo quadriénio será por isso conturbado. O acesso das ONGA aos meios de comunicação será mais restrito; a mobilização popular mais difícil e mais localizada; o interesse dos governantes e os recursos investidos na gestão ambiental terão tendência a minguar.
O que perdeu a América ambiental com a eleição de George W. Bush? A questão é controversa, até porque nem sempre os programas partidários correspondem mais tarde a planos de acção concreta. Mas cingindo-me apenas às promessas de campanha, diria que o primeiro grande desaire sucederá na Reserva Natural de Vida Selvagem do Árctico (ANSWR). Protegida e classificada no segundo mandato de Bill Clinton, esta área de forte sensibilidade tem sido cobiçada pelo ímpeto petrolífero da administração Bush. É provável que, no segundo mandato, o estatuto de protecção seja revogado ou alterado para permitir a prospecção. A violação do Árctico selvagem está claramente na calha.
Nos fóruns de discussão ambiental, falou-se muito na recusa de Bush em assinar o protocolo de Quioto, mas convém contextualizar. É verdade que Clinton tinha criado bases para a assinatura, mas nunca o chegou a fazer e guardou o ónus da decisão para o mandato do seu sucessor. Bush, como é público, recuou e recusou a ratificação, num gesto egoísta e irresponsável do maior poluidor mundial. Mas alguém terá dado conta de que Kerry também não prometeu a ratificação do tratado? O senador disse apenas que iria repensar a posição americana. Vago, muito vago mesmo, para quem aparentemente representava parte da sensibilidade ambiental nas eleições.
Terceiro tópico: a redução do financiamento à agência de protecção ambiental (EPA). Financiada pela administração Clinton, a EPA foi claramente menosprezada por Bush. Os seus fundos diminuíram e a sua autonomia e autoridade esfumaram-se. Kerry prometeu a reactivação desta entidade, que há seis anos foi capaz de impor limites pioneiros de poluição ambiental e correspondentemente de criar bases para punir agentes poluidores. Não foi à toa que o grande tecido industrial americano apoiou a administração Bush. E a EPA previsivelmente será sufocada (um pouco como o nosso ICN, acrescento) nestes próximos quatro anos.
O problema energético constitui o quarto núcleo de diferenças de percepção entre os dois candidatos. Kerry tinha uma pontuação elevadíssima atribuída nas votações sobre eficiência energética no Senado. Bush não se pode gabar do mesmo. Kerry advogou uma política de claros incentivos às energias renováveis, de promoção fiscal dos modelos automóveis mais eficientes e, a médio prazo, de sanções fiscais aos fabricantes de veículos mais dispendiosos em termos de combustível. Bush não. Kerry e a esposa contribuíram com fundos para projectos de investigação no âmbito de veículos mais ecológicos e de fontes de energia menos agressivas. Bush não. O seu manifesto revelava a intenção de "proteger o estilo de vida americano", o mesmo que faz dos jeeps, dos todo-terreno, dos camiões, dos carros clássicos dos anos 1950 e 1960 e das furgonetas bafientas a sua imagem de marca. Creio que não há ilusões neste aspecto.
Em contrapartida, e esta foi a única bandeira da argumentação ambientalista de George W. Bush, a América e o mundo ganham o que parece ser o primeiro esforço real de controlo dos níveis de arsénio na rede nacional de águas públicas. A contaminação de aquíferos subterrâneos tem sido desleixada por muitos países (Portugal, incluído) e, neste aspecto, Bush promete um plano nacional da água, traduzido num instituto de controlo de qualidade, na divulgação regular dos resultados das análises e, muito importante, na punição dos poluidores. Um exemplo para outras latitudes, mas escasso perante um país que deveria acolher mais enfaticamente as suas obrigações morais.
Vamos esperar para ver.
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