O Parque Marinho da Arrábida (PMA) foi, desde o início, uma presa apetecida. Como César, o PMA esteve sempre cercado de inimigos, decididos a esperar pela ocasião ideal para o apunhalamento. Lamentavelmente, essa ocasião chegou.
Há anos, assisti à discussão pública do Plano de Oordenamento do PMA realizada em Sesimbra. Dizem-me que a sessão de Setúbal decorreu nos mesmos contornos. Nessa noite, percebi tristemente que o PMA seria sempre uma miragem, porque os seus apoiantes se limitavam à comunidade científica. Ao contrário de outras áreas protegidas, onde as populações sentem que a classificação trará turismo ou não afectará as actividades económicas da região, praticamente ninguém gastou saliva para defender o PMA. Isso é sintomático da artificialidade de um parque.
Na sala, estavam representantes de várias sensibilidades. Praticamente todos os presentes criticavam a área protegida e tinham-se deslocado ao auditório para assegurar que os seus interesses não seriam afectados. A maioria era gente da terra, pescadores genuinamente preocupados com a alteração da sua área de trabalho e com a nova obrigatoriedade de fugir dos limites do parque para as pescarias. Compreendiam que cada vez mais espécies não se desenvolviam completamente nem chegavam à fase adulta, porque a pesca intensiva arrebatava do mar os juvenis. Percebiam também que a arte xávega, tradicional no concelho, continuaria a ser permitida. Mas não estavam dispostos a mudar práticas geracionais, nem compreendiam porque não podiam usar as técnicas de sempre.
Havia também proprietários de embarcações de lazer, também eles indispostos, também eles irritados por terem de alterar as rotas preferidas de navegação, junto à Arrábida. Um núcleo de mergulhadores, de praticantes de jet ski e de outras actividades náuticas estava exaltado com as restrições de acesso à "Meca", um nome carinhoso que os profissionais de mergulho dão a esta zona providencial da costa portuguesa, onde o clima praticamente permite mergulhar todo o ano. E havia dirigentes autárquicos que, tomando o pulso ao descontentamento, rapidamente mudaram de trincheira e tornaram-se críticos. Assisti, incrédulo, enquanto o velho axioma político foi refeito pelos autarcas: Nós somos os líderes eleitos; estes são os eleitores; por isso, somos nós… que temos de os seguir.
Do lado do PMA, havia apenas duas linhas de defesa. Por um lado, os representantes do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), que abordaram a sessão da pior forma possível. Apresentaram o Plano de Ordenamento como uma realidade fechada e discutida. Na sua ingenuidade, cuidaram que anunciavam a borrasca e saíam incólumes. Quando um objecto voou na direcção de um dos funcionários do ICN, a mensagem finalmente passou: não se anunciam projectos destes sem uma explicação acessível e intensiva às comunidades locais.
E havia ainda os biólogos, investigadores que tinham despendido tempo e recursos para avaliar a saúde daquele ecossistema e que se tinham assustado com a perspectiva terrível que se adivinhava para a vida marinha da região. Eram infelizmente poucos e não tinham claramente capacidade de persuasão.
O resto da história é conhecido. O Plano de Ordenamento provisório tornou-se um compromisso entre as posições dos biólogos e o sentimento das populações afectadas. A área protegida foi reduzida, as zonas "tampão" diminuídas. E o Plano nunca foi publicado. Foi sendo adiado para as calendas gregas, impedindo o natural funcionamento do parque.
Anteontem, a Quercus e a Liga para a Protecção da Natureza anunciaram que o PMA perderá o estatuto de área protegida, uma vez que, sem Plano de Ordenamento, a área não só é inútil como ilegal. O esclarecimento do Governo não foi suficiente: aparentemente, no Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (o terrestre), será proposta uma redução da área marinha classificada. Na prática, o processo retira autonomia ao PMA e transforma-o numa miragem.
Era o requiem que eu esperava desde aquela noite em Sesimbra. Ironicamente, ocorre uma semana depois dos compromissos verbais assumidos durante a Semana do Mar. Quererá o ministro da Defesa e dos Assuntos do Mar comentar?
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