segunda-feira, janeiro 23, 2023

Quando a fonte mais fidedigna sobre um cidadão não é o próprio cidadão

 


       No cinquentenário do Expresso, há uma história engraçada que, creio, não foi contada. Envolve o tenente-coronel Vítor Alves, alvo em 7 de Dezembro de 1985 de uma notícia sem fonte citada que dava como certo o seu apoio à candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintassilgo. 
       Parecia apenas a espuma dos dias, própria das campanhas, mas Vítor Alves fez questão de escrever a José António Saraiva, director do jornal. Explicava, num ameno comentário (publicado uma semana mais tarde), que não aderira à candidatura da engenheira Pintassilgo nem a qualquer outra. 
       O incidente teria ficado sanado por aí, não fosse o jornal achar-se no direito de introduzir uma exótica nota de redacção após a carta do militar de Abril: «O Expresso não contactou, na verdade, o coronel [sic] Vítor Alves para confirmar o seu apoio à candidata Lourdes Pintasilgo [sic]. O candidato a deputado pelo PRD assegura nesta carta que não apoia qualquer candidatura. O Expresso limitar-se-á a acrescentar que mantém a sua informação, provindo de muito boa fonte, segundo a qual o ex-conselheiro da Revolução Vítor Alves tem vindo a manifestar as suas simpatias junto da candidatura da engenheira.» 


       Mantendo a elevação e o humor, mas com a mostarda já a chegar-lhe ao nariz, Vítor Alves lavrou um protesto ao Conselho de Imprensa. Queixava-se das fontes anónimas e das notas de redacção habituais no jornal, «receando que tenhamos chegado ao extremo ridículo em que a fonte mais fidedigna sobre um cidadão não seja o próprio cidadão, quando este decide clarificar as suas posições». 

Arquivo do Conselho de Imprensa/ANTT

       Na Duque de Palmela, Saraiva certamente percebeu que o jornal metera a pata na poça. Em Janeiro de 1986, argumentou ao Conselho de Imprensa que a nota de redacção «não foi inteiramente feliz». Mas reafirmava, em silogismo aristotélico de lógica irregular: «Uma fonte que tomamos como boa deu-nos essa informação. Cabe agora perguntar: foi a nossa fonte que se equivocou ou o ten. cor. Vítor Alves produziu alguma declaração que tenha legitimamente induzido em erro a fonte em causa? Caso se tenha verificado a segunda hipótese – e só o ten. cor. Vítor Alves poderá esclarecer o assunto – a culpa pelo mal-entendido seria imputável ao queixoso e não ao Expresso.» 
       Poucos episódios resumem tão bem o gosto do jornalismo político pelas fontes anónimas como este caso. A punchline? O Conselho de Imprensa entendeu «nada ter a condenar ao Expresso» ao abrigo da… Lei de Imprensa que Vítor Alves aprovara enquanto ministro.

Sem comentários: