Que responsabilidade têm as autarquias transmontanas nos recentes casos de contaminação do abastecimento de água por arsénio? – questionou-me um leitor hoje de manhã. Enquadremos o caso para os mais distraídos.
No início de Novembro, uma investigação de dois docentes transmontanos revelou níveis extraordinariamente altos de arsénio na rede de abastecimento de água em Vila Flor e Alfândega da Fé (Trás-os-Montes).
Todos os anos, realizam-se entre três e quatro mil análises à qualidade das águas de abastecimento público de todo o país. Algumas são realizadas a pedido das autarquias; outras a pedido de particulares ou privados; outras ainda, a maioria, por iniciativa das delegações regionais de saúde. Os dois docentes afirmaram que 28% das análises de arsénio exigidas por lei em Portugal não tinham sido solicitadas pelas autarquias. O que é grave e prenuncia um cenário de total irresponsabilidade.
Compreendo e aceito o facto de estes municípios transmontanos viverem com carências elevadas, que reduzem a capacidade de intervenção das autarquias. Com tantos fogos para acorrer e com recursos bastante limitados, é forçoso tornear algumas exigências legais. Não se aplaude, mas percebe-se.
Mas, ao mesmo tempo, as autarquias em causa não podem, em circunstância alguma, lavar as mãos como Pilatos. Sabia-se que, nos últimos cinco anos, tinham ocorrido sérios problemas de saúde nas aldeias de Macedinho e Valbom, no concelho de Vila Flor, e de Vilares da Vilariça, em Alfândega da Fé. As populações queixavam-se do estranho sabor da água da rede pública, água essa que "deixava os dentes pretos", queixou-se uma moradora aos jornais. Não acredito, nem por um momento, que as duas autarquias não tivessem tomado conta da gravidade das queixas. Não concebo que, em aldeias tão pequenas, ninguém tivesse mencionado o caso aos autarcas. E a partir desse momento as câmaras municipais, que têm a obrigação legal de encomendar análises (com ou sem indícios de alteração química) com regularidade, têm culpas morais no cartório.
É óbvio que a perturbação da composição química da água pode ter explicações naturais. Pode até não ter sido motivada por qualquer actividade humana. Por enquanto, desconhece-se a causa da deterioração, embora as análises posteriores, encomendadas ao Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, possam lançar luz sobre o assunto brevemente. Mas, a meu ver, isso não isenta as autarquias implicadas de alguma cumplicidade moral – autarquias essas que, depois da publicitação do estudo dos dois docentes, se apressaram a pedir inquéritos, a encomendar análises e a gritar "aqui d’el rei, isto é um escândalo".
P.S.: Segundo os dois investigadores, há mais 16 autarquias em Portugal que não comunicaram no último ano os resultados das suas análises ao Ministério da Saúde e aos delegados regionais de saúde. Desconhece-se se os testes foram, ou não, conduzidos. Mas há pelo menos dezasseis municípios onde a água da rede de abastecimento público não oferece garantias mínimas ao consumidor…
P.S.1: Nem por coincidência! Os dois investigadores publicaram ontem uma carta no jornal "Público", na secção "Cartas ao Director". Sintetiza na perfeição o que penso sobre o assunto.
2 comentários:
É impressionante... Se nem com a saúde dos próprios eleitores se preocupam... Também, com os exemplos que têm a montante... Bom, mais uma falha do sistema a colmatar... Enquanto isso, quem pode que vá comprando águinha engarrafada ou monte um laboratório de analises em casa, pelo sim, pelo não...
É impressionante... Se nem com a saúde dos próprios eleitores se preocupam... Também, com os exemplos que têm a montante... Bom, mais uma falha do sistema a colmatar... Enquanto isso, quem pode que vá comprando aguinha engarrafada ou monte um laboratório de analises em casa, pelo sim, pelo não...
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