Desculpar-me-ão os leitores por esta focagem excessiva nos temas que envolvem a cidade de Lisboa. Tenho algumas ideias alinhavadas sobre a barragem do Sabor e o processo da ria Formosa, mas, por motivos de actualidade, acabo por relegá-las para outra oportunidade. Para que conste, não estão esquecidas...
Em período de pré-campanha, mandaria o bom senso que não tomássemos a sério as promessas eleitoralistas. Publicadas em alturas de total desresponsabilização, não são vinculativas nem permitem gizar opções de longo prazo. Uma delas, porém, merece alguma reflexão porque oferece uma solução para a deficiente cobertura da rede de transportes públicos da cidade. O seu anúncio gerou um debate salutar sobre o futuro do metropolitano, do autocarro e do comboio em Lisboa. Refiro-me, claro está, ao anúncio do ministro António Mexia relacionado com a expansão da rede do metropolitano até 2010 através da construção de duas dezenas de novas estações, de novas linhas, do prolongamento de linhas já existentes e, consequentemente, da expansão da rede para a margem ocidental da cidade. O projecto governamental está orçamentado em 1400 milhões de euros.
Folgo em saber que, apesar de alguns tiros nos pés, a aposta nos transportes públicos colectivos se mantém. Por tiros nos pés entendo, por exemplo, as opções calamitosas dos túneis rodoviários do Marquês de Pombal e da Av. Marechal Gomes da Costa, verdadeiros incentivos à circulação automóvel numa cidade que ameaça já a saturação; entendo também como gravosas algumas opções recentes no metropolitano de Lisboa, como os malfadados torniquetes, que ora estão fechados e colocam sérios riscos de segurança, ora estão totalmente abertos e impedem a empresa de controlar o pagamento dos ingressos.
Entendo também como incompetente a desarticulação entre os serviços prestados pela Carris e pelo Metropolitano de Lisboa: redundantes em alguns casos, omissos em muitos outros.
Mais grave ainda é a política de constante aumento das tarifas dos transportes públicos, eternamente justificados pelo preço do petróleo, mas que superam largamente o aumento percentual do crude desde 1975.
Isto são, repito, os erros de gestão que reconheço no sistema público de transportes, mas o plano Mexia, à primeira vista, tem um valor simbólico importante, pois consolida a aposta governamental na rede de transportes colectivos e promete uma maior cobertura geográfica da mesma. Quais são então as falhas do plano?
Um artigo de Rui Rodrigues, publicado no jornal "Público" de 3 de Janeiro, teve o condão de apresentar realidades comparadas e de demonstrar que a aposta nos transportes não tem necessariamente de passar apenas pelo metropolitano. Pelo seu interesse e pelas encruzilhadas relevantes que disseca, o artigo merece destaque. Em traços sumários, o autor argumenta:
a) assumindo que o custo médio por quilómetro de expansão da rede do metro é de 65 milhões de euros, é prudente discutir não só a oportunidade do plano, como também a opção económica que ele acarreta. Haverá outra opção com os mesmos custos (ou até inferiores)? Rui Rodrigues considera que sim.
b) Ele assume a opção por uma terceira travessia do Tejo, uma ponte exclusivamente ferroviária, e pela construção de uma estação central, que sirva de interface a todos os transportes colectivos e que a gare do Oriente, pela sua localização periférica, não consegue cumprir. A futura estação de Campolide (prevista no plano de expansão de uma linha já existente) poderia ser a chave, sobretudo se conseguisse assimilar ligações com os comboios da margem sul, de Cascais, da Azambuja e de Sintra.
c) Diz o autor também que o custo médio base da expansão da rede dispararia com a nova linha das Colinas, um projecto arrojado que partiria de Campo Ourique até à Cerca Moura. No contexto geológico destas zonas da cidade, o preço por quilómetro seria ainda mais elevado.
d) Outra questão pertinente é a oportunidade de mais um investimento gigantesco na rede. O autor diz (e eu não tenho dados que o permitam confirmar ou desmentir) que a expansão da rede para a Amadora e para Odivelas não compensou em termos de aumento de tráfego. Numa situação financeira delicada, será oportuno o metropolitano avançar para mais um mega empreendimento?
e) A terceira travessia teria, em primeira instância, a faculdade de permitir o acesso à cidade de comboios de bitola europeia, uma vez que as actuais linhas não estão preparadas para este sistema. Caso o metropolitano se aventurasse para a margem sul (uma vez que o metro também circula em bitola europeia), poder-se-ia justificar melhor a terceira ponte, pois ela destinar-se-ia a comboios suburbanos, intercidades e internacionais e ao metropolitano. Ao mesmo tempo, caso a travessia fosse projectada para os arredores de Pinhal Novo, poder-se-ia finalmente conectar a margem sul com o aeroporto da Portela, via Gare do Oriente.
Pelo exposto, parece claro que há, pelo menos, alternativas concretas ao plano Mexia. Valerá a pena por isso ponderar o próximo passo. Socorrendo-me uma última vez do artigo de Rui Rodrigues, diria que o actual modelo se esgotou. É impensável que o metropolitano continue a expandir-se sem objectivos concretos, às apalpadelas, esperando que as linhas que se vão sucedendo estimulem novos munícipes a deixar o carro em casa. O triste caso do prolongamento da linha azul para a Estação de Santa Apolónia, uma obra caríssima e praticamente obsoleta antes ainda da inauguração (dada a quebra crescente de tráfego ferroviário nesta estação), vale como marco da falta de planeamento e de debate. Voltaremos a errar?
2 comentários:
O metropolitano é uma "obra de regime", que permite gastos faraónicos em imponentes estações, e inaugurações de Telejonal, importantes para qualquer ministro. A sua utilidade, e sobretudo o seu custo-benefício, são bem mais duvidosos.
A título de exemplo, os prolongamentos Marquês do Pombal - Rato e Campo Grande - Telheiras deram ambos azo a inaugurações televisivas, custaram ambos pipas de massa, mas em termos de clientes transportados são dois descalabros monumentais.
Seria muito mais barato e rápido construir elétricos de superfície em vias dedicadas, como se está a fazer (bastante mal) no Porto e (parece que melhor) em Almada. Sobretudo em cidades em que grande parte das pessoas que usam os transportes coletivos são idosos com dificuldades de locomoção, a opção por um combóio subterrâneo é inimiga do consumidor, para além de ruinosamente cara.
O metropolitano de Lisboa é a exposição de tudo o que se passa neste Páis: linhas desencontradas e com muitos torniquetes...inseguros pela mesquinhez em vez de leituras a médio e longo prazo...e quem paga sempre a factura é ( já não tanta) indiferença dos utentes, mas sobretudo todos nós...
Prossigamos Contra a Indiferença, Gonçalo
Aproveito para te desejar um Bom Ano
Um abraço
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