Em viagem recente, visitei algumas localidades que vivem à beira de um rio beirão. Para aqueles que, como eu, consideram que é possível encontrar soluções que privilegiem o desenvolvimento sustentável em realidades rurais, estruturadas por séculos de culturas desregradas e de práticas que nos arrepiam o pêlo, o passeio foi uma lição. Na verdade, quando se vai ao terreno e se passa de uma esfera abstracta para uma realidade concreta, as leis absolutas tornam-se relativas. Expliquemos melhor.
Num dia infeliz, uma deslocação ao longo de alguns quilómetros do rio pode tornar-se um suplício. Os tons laranja da água não sugerem nada de bom. Mais acima, o lençol fluvial borbulha e produz espuma. Ninguém, no seu devido juízo, mergulharia nestas águas e duvido que alguém aqui lave roupa ou utilize a água para consumo. Neste troço do rio que então descubro, há também peixes mortos à superfície (poucos, é certo). O cheiro, garanto, é algo que impregna as roupas e permanece na memória olfactiva durante alguns dias.
Curioso, dirijo-me à povoação mais próxima. Nos cafés, o caso não indigna, nem surpreende. Todos os dedos (todos mesmo, sem excepção) apontam para a fábrica de curtumes da região, que usa o rio como depósito de resíduos sem problemas de consciência. À tarde, conheci o autarca local - político jovem, ambicioso, mas bem conhecedor (pelo menos aparentemente) das pastas da região. Também ele identificou há muito o culpado. Mas o que me disse depois intrigou-me. Mais palavra, menos palavra, a sua mensagem evidenciava o seguinte:
«Tem noção de que o desemprego deste município é três vezes superior ao da média nacional? Sabe que aquela fábrica emprega 80% dos homens activos da região e quase metade das mulheres? Conheço bem o proprietário da unidade fabril. Não pense que é um "troglodita" do interior, que polui o rio por gosto e quer poupar alguns milhares de euros. A unidade fabril está pelas ruas da amargura. Perdeu quase todo o seu sector de mercado. Hoje em dia, não tem capacidade para montar um sistema de tratamento de resíduos.
Sabe o que aconteceria se a responsabilidade deste atentado ambiental fosse atribuída à fábrica e a respectiva coima lhe fosse apresentada? A fábrica fecharia as portas no dia seguinte. E o desemprego na região agravaria para níveis ainda mais incomportáveis. Por isso, somos obrigados a entrar nesta charada. Multamo-los em 500 euros e fechamos os olhos. Porque os munícípes da região não se podem dar ao luxo, ao luxo - repito -, de exigir demasiadas responsabilidades ambientais ao único empregador que ainda aqui está!»
Do rio, do seu ecossistema degradado e até do eventual risco para a saúde pública, o autarca não falou. Porém, o caso é paradigmático do país real e dos problemas reais. Há tanto ainda por fazer...
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