Esclarecimento prévio: há semanas, escrevi um "post" sobre o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) e defendi que, ao invés do PEV, não se conhecia uma única posição do Bloco de Esquerda (BE) relacionada com Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Dias depois, fui desafiado a assitir à I Conferência Nacional sobre Ambiente e Ecologia, organizada pelo BE a 15 de Janeiro. Aceite o desafio, escolhi o painel que mais me interessava (relacionado com o fim do paradigma do petróleo, o modelo de eficiência energética e a investigação em energias renováveis ) e assisti à conferência. Este "post" reúne algumas conclusões extraídas do evento. Fica o esclarecimento.
Começo pelo fim. O grau de desconhecimento e ignorância de uma sociedade civil perfila-se muitas vezes no tipo de perguntas colocadas a um painel de cientistas. No caso, depois das exposições de Manuel Collares Pereira (INETI) e Miguel Centeno Brito (FCUL), não imagina o leitor o leque de dispersão das várias intervenções. Os dois investigadores foram questionados sobre uma imensidão de temas - do nuclear à energia das ondas, das mini-hídricas às práticas sustentáveis de eficiência. Dir-se-ia que a assistência queria resolver o problema da energia em quinze minutos, de preferência antes do painel seguinte!
Este tipo de eventos tem a grande vantagem de contribuir para a divulgação e para a formação de consciência ecológica. Mas revela também um enorme nervosismo da população à medida que escuta perspectivas catastróficas como "o fim do petróleo barato" ou "a escassez de água dentro de 30 anos".
Primeira conclusão extraída da conferência: confunde-se (confundimos) muitas vezes energia com electricidade e associamos a eficiência do consumo da segunda com eficiência energética. A energia é bem mais ampla do que a electricidade. Mas aqui temos uma atenuante: praticamente todos os secretários de Estado da Energia que temos tido vêm da EDP e seguem para a EDP. É por isso natural que associemos energia à electricidade.
Segunda conclusão: com uma magnífica exposição de oportunidades e constrangimentos à expansão das energias renováveis, Manuel Collares Pereira retirou quaisquer dúvidas ao auditório - teremos o sector de energias renováveis (ER) que os próximos governos entenderem. Dispondo de instrumentos de incentivo fiscal (como a Espanha nos mostra há anos), de veículos de promoção publicitária capazes de encabeçar uma campanha em prol das ER (como sucedeu com as campanhas públicas da Grécia), de excelentes condições naturais para a exploração de energias renováveis (solar, eólica, marés, hídrica...) e de tecnologia e investigação premiada no sector, a expansão das ER dependerá do empurrão que a administração central quiser dar nos próximos anos.
Terceira conclusão: Quer Collares Pereira, quer Miguel Brito expressaram a sua convicção de que a era do petróleo barato terminou e que portanto estaríamos a viver o fim do paradigma da energia fóssil. Retive um dado exemplar: segundo Collares Pereira, por cada barril de crude hoje extraído, gastam-se quatro no esforço de prospecção. O modelo parece, pois, falido. À atenção do Ministério das Actividades Económicas e respectivo lobby.
Quatra conclusão: O programa E4 do último governo Guterres (em rigor, dos últimos seis meses do governo socialista) foi elogiado no auditório como um primeiro esforço de dinamização do sector e de inflexão da nossa histórica dependência energética. O remoque foi pertinente. Estamos a um mês da mais que provável eleição de um governo socialista. Que medidas para o sector implementará o PS? Estamos todos como São Tomé...
Quinta e última conclusão: Que me desculpem os organizadores da conferência, mas ainda há aspectos a limar. O moderador não deve começar a sua intervenção lembrando que não conseguiu comprar o livro de um dos palestrantes (!), as intervenções do público devem ser controladas e intercaladas com respostas dos oradores (sob risco de, no final, Manuel Collares Pereira e Miguel Centeno Brito terem pelo menos duas dezenas de questões para responder de chofre), os horários devem ser mesmo para cumprir e os suportes tecnológicos devem estar prontos à hora prevista. Às vezes, pequenos detalhes fazem grandes diferenças!
2 comentários:
Apenas alguns comentários ao comentário sobre o encontro promovido pelo BE.
Antes de mais, e como uma das pessoas envolvidas na organização da iniciativa, agradecer a presença do ilustre proprietário deste Blogg. Em segundo lugar, devo dizer que concordo com os reparos relativos à logística da coisa, que em parte se ficaram a dever ao surpreendente número de pessoas que num sábado frio trocaram o conforto do lar pela sala de aula.
Quanto à ignorância da sociedade civil em geral e dos presentes em particular, gostava de contrapor com o entusiasmo e curiosidade revelado pelos mesmos. Fosse esse um reflexo fidedigno da sociedade civil e estávamos bem... Não me parece que seja imperativo que o cidadão esteja plenamente informado técnica e cientificamente para que assuma um comportamento ecologicamente responsável. Não vejo que seja necessário saber que a energia cinética aumenta ao quadrado quando a velocidade duplica para que se cumpram os limites de velocidade ou compreender o que é um vírus para que se use o preservativo.
Para terminar, apenas dizer que apesar de não conhecer o conteúdo do Programa E4, que não me custa acreditar que seja um passo importante na resolução deste PROBLEMA. De qualquer das formas, ficaremos sempre por saber o que teria acontecido se Guterres não tivesse decidido não fazer uma birra, arrumar os brinquedos e ir para casa. Os Governos liderados pelo Engenheiro foram pródigos em programas (muitas vezes bem feitos) mas quase sempre inconsequentes e que acabaram por se dissipar na espuma dos dias...
Alexandre Vaz
Obrigado pelo feed-back, Alexandre. Compreendo e aceito as limitações que uma organização destas acaba por ter - sobretudo quando decorre em paralelo com mais conferências, como sucedeu nesse dia na Faculdade de Letras.
Rectifico, porém, um ponto: não é exigível que a audiência de um evento destes seja especialmente qualificada. Aliás, se o fosse, a vertente pedagógica do mesmo seria escassa. Mas não deixa de ser preocupante que na cabeça das pessoas (minha, sua, delas) pairem questões tão díspares sobre energia. Extraí a ideia, depois de ouvir tanta questão, que as pessoas precisam de facto de ouvir mais sobre o tema, de ler mais, de receber mais informação. Porque estão confusas. Só isso.
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