Não é
uma página especialmente significativa da relação da Direcção dos Serviços de
Censura com a literatura, mas é um episódio curioso e pouco conhecido. Em 1968,
o ensaísta João Palma-Ferreira, responsável pela tradução para português de
autores como John dos Passos, Archibald MacLeish, Saul Bellow ou J.D. Salinger,
traduziu um longo e raro poema de Ernest Hemingway dedicado à sua quarta (e
última) esposa e publicado uma única vez, em 1944, na revista "The
Atlantic Monthly". Foi surpreendido, semanas depois, com a proibição
integral de publicação. A Censura não autorizava, considerando o poema lascivo
e promíscuo.
Tradicionalmente
calmo e ponderado, Palma-Ferreira exasperou-se com a medida "perfeitamente
enigmática e ridícula". Escreveu a vermelho ao temido Coronel Páscoa, da
Direcção dos Serviços de Censura. "É um poema de amor escrito em 1944. É
um poema de Ernest Hemingway. É um poema apolítico. É uma obra de arte de um
dos grandes artistas do mundo. Não se compreende esta proibição seja qual for o
ângulo por que se pretenda justificá-la."
O
autor incentivava o Coronel a corrigir "um erro perfeitamente
descabido", uma "proibição, que ainda para cúmulo, pode passar por
absolutamente leviana".
Não
teve sorte. Numa anotação manuscrita, no topo da folha, o director dos serviços
manteve o corte de Gabinete de Leitura e referia ainda: "Os termos em que
esta carta do Dr. João Palma-Ferreira vêm redigidos inibem-me de deles tomar
conhecimento (!?!) e de responder. Arquive-se."
E
arquivou-se.
Roma
locuta est.
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