terça-feira, abril 29, 2014

Mascarenhas, um craque


Mascarenhas foi craque de bola na década de 1960.
Jogou no Sporting, venceu a Taça de Portugal e a Taça das Taças e ainda detém o recorde de mais golos marcados num jogo das competições europeias (seis, contra o Apoel, em 1963). Jogou depois no Barreirense, na CUF, no Peniche, no Riopele e no Paços de Ferreira. Ficou pelo norte.
Terminada a carreira, o avançado angolano que encantara multidões teve dificuldades em manter-se à tona de água. Em Janeiro de 1982, quando a "Gazeta dos Desportos" o encontrou, vivia com evidentes dificuldades, "numa casa que abriga pouco e onde o frio se infiltra por mil e uma brechas", num terreno baldio por trás do Hospital de São João. Pintara a porta de verde, a cor do seu Sporting. "Continuamos a ser, indubitavelmente, um país do Terceiro Mundo", escrevia então Eugénio Queirós na reportagem. "Não acredita? Então dê-se ao trabalho de visitar as nossas cidades de lata. Vá falar com o Mascarenhas."
A notícia fora dada numa coluna de opinião do mesmo jornal por Cagica, antigo jogador e colega de equipa de Mascarenhas, que se mobilizou para dar a conhecer a situação do amigo. Aos 44 anos e com cinco pessoas a seu cargo, o antigo craque do Sporting "não tem grandes haveres, não tem uma casa digna, não tem emprego e não sabe que há-de fazer. Tantos NÃO's depois de uma vida de polegares estendidos", escrevia o Eugénio.
A Gazeta publicou a história na primeira página, pedindo sem reservas: "Vamos arranjar um emprego a Mascarenhas! e "Exige-se um emprego!", deixando até o número de telefone do craque. Moveram-se montanhas. Fernando e Domingos Barriga, figuras da CUF, fizeram os primeiros contactos e arranjaram dinheiro. Depois, alguém no Sporting mostrou o jornal a João Rocha e encontrou-se por fim uma vaga para Mascarenhas no Departamento de Futebol, onde o conheci uma década depois, sempre garboso, sempre bem vestido, sempre educado. Ao ler agora a reportagem, não sei o que seria hoje mais improvável: um jornal desportivo esquecer por um dia as contratações sonantes e dedicar o seu espaço nobre a um caso social ou um clube encontrar humanidade para acolher um antigo craque, independentemente dos balancetes.


Mascarenhas trabalhou mais de duas décadas no Sporting. Sofreu um AVC em 2008 e desde então está remetido a uma cadeira de rodas. Da última vez que soube dele, vivia em Lisboa, na freguesia de  Arroios. Dele, dizia a mulher que «era fácil elevar-se para cabecear, mas demorava eternidades até pousar os pés na relva» (depoimento recolhido aqui).

Fez ontem 77 anos.

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