A maior parte dos
trabalhos publicados na revista resulta de planeamento e de produção. Sempre
que me convidam para falar sobre fotografia na National Geographic, tenho o
cuidado de sublinhar que a espontaneidade é muito mais rara do que os leitores
imaginam. Por regra, antes de captar uma fotografia, o repórter fotográfico já
a imaginou. Já testou outras soluções de composição, iluminação e exposição. Já
fez experiências que correram mal. É raro o momento em que um fotógrafo sai
despreocupadamente para o campo e capta, sem preparação nem reflexão, o momento
certo. Por outras palavras: a espontaneidade custa muito trabalho e não tem
nada que ver com a sorte.
Em Janeiro deste
ano, fiz uma intervenção deste teor no festival de fotografia de Vouzela,
procurando sublinhar a importância das narrativas visuais para a nossa
publicação e a necessidade premente de não repetir conceitos, nem objectos.
Tinha então em mente um trabalho em curso que o fotógrafo Steve Winter levava a
cabo com os pumas da América do Norte. Motivado para fotografá-los em contexto
semi-urbano, Steve dedicou mais de um ano a esta reportagem e a fotografia mais
emblemática (um puma caminhando em frente do lendário cartaz de Hollywood, em
Los Angeles) demorou quatro meses a executar. Não houve nada de acidental na proeza!
Ora, em Vouzela,
assisti a várias apresentações. Uma delas, do jovem fotógrafo Ricardo Lourenço,
representava o Alentejo selvagem, tal como a região se apresenta a este
repórter de Portalegre. Entre várias fotografias memoráveis, fiquei com esta debaixo
de olho: um lacrau fluorescente. Não sabia nada sobre o tema, nem imaginava se
o Ricardo teria procurado documentação sobre o fenómeno ou se a imagem
resultava da tal espontaneidade que eu não me canso de dizer que é inexistente.
Foi uma das poucas
ocasiões em que uma página da National Geographic nasceu a partir de uma
fotografia e não de uma ideia original, susceptível de desenvolvimento
posterior e de materialização em imagem. Ao talento do Ricardo, juntou-se o
conhecimento do biólogo Pedro Sousa, investigador do CIBIO, que contextualizou
o fenómeno, forneceu informação científica recente, desconstruiu algumas ideias
feitas que eu tinha sobre a função deste dispositivo e permitiu que o texto
fosse o mais rigoroso possível, dentro dos constrangimentos de espaço que as
secções iniciais impõem.
Eis portanto como
um inofensivo lacrau terminou nas páginas da edição portuguesa da National
Geographic. Com o talento do Ricardo e a sabedoria do Pedro.
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