1768.
Lisboa ainda vive
atormentada com as repercussões do sismo de treze anos antes e a corte de Dom
José mantém-se na Ajuda, onde pouco ruiu, cimentando a confiança régia na
geologia do seu novo bairro.
O rei recrutou o naturalista
italiano Domingos Vandelli para o seu empreendimento mais recente: a construção
de um espaço de lazer para os príncipes e netos. Vandelli trouxe de
Pádua o modelo de um jardim botânico moderno e preocupou-se em criar uma
colecção vasta de espécies vegetais – nos tempos áureos, o Real Jardim Botânico
da Ajuda chegou a ter cinco mil espécies, oriundas de todos os cantos do globo.
As décadas subsequentes ao
sismo de 1755 foram, porém, aventurosas e os braços de Vandelli, naturalista
formado em medicina que se correspondia com Lineu, não chegavam para todos os
fogos. Quatro anos depois da incumbência de criar um jardim botânico na Ajuda,
em 1772, Vandelli foi chamado a Coimbra como lente de História Natural e
Química na Universidade. Ali também criou as bases do jardim botânico da Universidade
de Coimbra e idealizou as viagens filosóficas à Amazónia, conduzidas por alguns
dos seus alunos.
Na Ajuda, portanto, o
projecto ficou na mão de um auxiliar, o chefe dos jardineiros Júlio Mattiazi. Igualmente originário de
Pádua, Mattiazi tratou do jardim e… da pedra. Idealizou as fontes que orientam
a visita e estruturam a paisagem da Ajuda, tanto ou mais do que as sebes. A
mais famosa, a Fonte das 40 Bicas, reúne animais míticos e fauna aquática, num
espantoso conjunto de serpentes, peixes alados, cavalos-marinhos e outras
feras. Segundo garante a tradição do bairro, a fonte terá sido construída
exclusivamente com mão-de-obra da Ajuda.
De acordo com a directora do Jardim
Botânico, a professora Dalila Espírito Santo, a documentação sobrevivente na
Ajuda [grande parte foi para Coimbra; alguma seguiu para a Faculdade de
Ciências na Rua da Escola Politécnica; e algum espólio viajou com a comitiva
real para o Brasil em 1808 e ficou pelo Rio de Janeiro] comprova que Vandelli
não ficou maravilhado quando viu as fontes de Mattiazi. Afinal, um jardim
botânico é um espaço no qual a vegetação deve reger a paisagem, recusando a
submissão à construção de pedra.
Hoje, porém, a caminho dos
250 anos do Jardim Botânico da Ajuda (em 2018), após testemunhar revoluções e
mudanças de regime, cuidados desvelados e descuidos sem perdão, são as fontes
que permanecem imutáveis desde 1768. O ciclo de vida das plantas, naturalmente,
foi fazendo a sua selecção, as pilhagens napoleónicas destruíram muito, o clima
distinguiu as espécies mais adaptáveis e a crónica falta de financiamento
também deixou mossas.
Do Jardim Botânico original,
ficaram os peixes alados de Mattiazi, que Vandelli desaprovou, mas o tempo
validou.
Ler também: Almaça, Carlos. A Natural History Museum of the 18th Century, 1996, Museu Bocage, Lisboa.
Ler também: Almaça, Carlos. A Natural History Museum of the 18th Century, 1996, Museu Bocage, Lisboa.
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