Abram alas para a psicanálise. Releiam Freud, Ferenczki e Tavistock. De uma vez por todas, sentem os portugueses no divã e analisem este conflito inconsciente do povo indígena com as campanhas de informação. Surpreendido? Não esteja. Em Portugal, rara é a campanha de informação e prevenção do público desenvolvida atempadamente, com pés e cabeça e destinada a informar sem alarmar. Dir-se-ia que os governos da nação evitam desesperadamente anunciar possíveis nuvens no horizonte, seja em que circunstância for. Como se o exercício de governação fosse um truque de ilusionismo, durante o qual o público na plateia vê apenas o que o Houdini de circunstância quer.
Alguém, no seu devido juízo, compreende que não tenha ainda sido desenvolvida uma campanha de informação nacional destinada a alertar os portugueses para o risco da seca? Desconheço se, nos corredores dos Ministérios do Ambiente e da Economia, alguém espera que o problema da carência de água seja como o vinho do Porto: quanto mais tempo o abandonarmos, melhor é o sabor. Se assim é, tenho a informar que a escassez de água é um tudo-nada mais complexa. Se não ocorre precipitação, o nível das barragens vai baixando na proporção directa da redução do caudal dos rios. A captação crescente de água nos aquíferos subterrâneos provoca diminuições alarmantes do caudal dos mesmos. O consumo gigantesco de água para fins recreativos agudiza o problema.
Naturalmente, em Outubro, ninguém poderia prever um Outono e um Inverno tão secos como estes. As previsões valem o que valem e, conhecendo como conheço o Instituto de Meteorologia, a informação recolhida diariamente deve ter sido armazenada em depósito, guardada ciosamente da sociedade civil e parceiros científicos e arquivada. Mas nada desculpa que, ao verificar a ausência quase total de pluviosidade em Novembro, a administração central não tenha equacionado uma campanha de informação destinada a moderar o consumo e a prevenir a escassez das reservas.
Ao invés, continuámos alegremente o regadio dos nossos relvados, consumimos domesticamente quantidades absurdas de água, alimentámos as rotundas com chafarizes aquáticos de gosto duvidoso e por aí adiante. Ninguém alertou atempadamente os súbditos da República para os riscos, bem reais, que nos esperam no Verão. Terá alguém pensado que o português tem medo de campanhas? Que se alarma com a informação? Pior: que o português prefere o doce sabor da ignorância ao pânico da informação?
Entrámos em Março da mesma forma que saímos de Fevereiro. Seca, secamente. Da administração central, ouve-se pouco – um ligeiro murmúrio sobre a escassez de água e os riscos da seca. De qualquer forma, o problema prepara-se para ser gerido por outras mãos. Não justifica o incómodo. Os portugueses até têm medo das campanhas…
2 comentários:
"Terá alguém pensado que o português tem medo de campanhas? Que se alarma com a informação? Pior: que o português prefere o doce sabor da ignorância ao pânico da informação?"
E foge a sete pés de estudos, orçamentos,estatísticas, etc, etc
Refugia-se isso sim em anti-depressivos- mais uma para o ranking "pobre" de Portugal-
pouco ou nada reage!!
Um abraço
BioTerra
Para além da relapsa meada de competências que se acotovelam e tropeçam entre si nos vários ministérios com poder para tomar decisões sobre a crise da seca, espanta-me ainda o ensurdecedor silêncio sobre a matéria por parte das várias organizações ambientalistas com nome firmado. Estamos à espera de quê, porra!?
Abraço, e desculpem a veemência. Octávio Lima (ondas2.blogs.sapo.pt)
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