terça-feira, maio 26, 2015

Recauchutagem e empastelamento

Arquivo da Biblioteca Nacional do Brasil. Projecto Jornais Extintos


[Crónicas hospitalares] Encostado à boxe para recauchutagem da máquina, encontrei, em leituras improváveis, um dos mais fenomenais empastelamentos da imprensa lusófona. O pastel, ou empastelamento, era o pesadelo dos tipógrafos — a junção inadvertida de dois textos diferentes. Aconteceu em 1908 na Gazeta de São João da Boavista, Brasil. Noticiava-se a partida para o Rio de um médico estimado em Goiás e a notícia foi poluída pelo anúncio de um certame zootécnico marcado por um porco de dimensões generosas. Transcrevo:
«Parte hoje para o Rio de Janeiro, onde demorar-se-á alguns meses, o nosso querido amigo, dr. José da Silva Mattos.
É um dos melhores exemplos de suínos que temos visto, attingindo o seu peso, caso entre nós nunca visto, a 168 kilogrammos.
Os seus numerosos amigos, querendo demonstrar quão sensível lhes será a ausência do estimado clínico que vae remetido para a Exposição Nacional onde certamente ganhará um dos prémios destinados a animais do ceva, demonstrando os cuidados que dispensava com sua carinhosa presença aos seus enfermos, attendendo a qualquer hora do dia ou da noite os chamados por maior que enche de orgulho os criadores goyanos certos de que esse representante da zootechina do município na Capital attestará o adiantamento de operoso clínico que deixa fundas saudades entre nós com sua retirada, felizmente não longa.
Teremos a maior satisfação e prazer em vel-o esquartejado, vendido a peso seu toucinho dando razoável e compensador lucro a todos os seus amigos.»

Ponto de partida: Memórias de um Repórter, Tomé Vieira, Lisboa, s/ data.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gonçalamigo

Ainda não consegui deixar de gargalhar; há empastelamentos e...empastelamentos. Este é o melhor que algum dia podia encontrar!
O Tomé Vieira foi um grande Jornalista. E trabalhou no "verdadeiro" DN. Dá gosto esta Memória. :-)))))))))))

Abç do Pernoca Marota

E muito obrigado por me teres aturado um tempo sem fim... na "Flor do Lumiar", passe a publicidade...

Gonçalo Pereira disse...

Caríssimo Henrique,
Foi um prazer entrevistar-te e ouvir-te sobre a década brilhante da rubrica Internacional num jornal de referência como o DN foi (ainda é?) – já para não falar das pequenas anedotas.
Hoje, enquanto a televisão cá do sítio debitava a astróloga de serviço, dei por mim com a recordação do Huros-Copo do Diário Ilustrado e da maneira como ele se construía. Vou passar agora ao papel a nossa conversa. Darei notícias.

Forte abraço.