quinta-feira, maio 28, 2015

Dos linces, dos homens e de um fotógrafo



Fartamo-nos de sentenciar que acabou o tempo do jornalismo de investigação. Que o tempo de pesquisa, processamento, reflexão e publicação ou difusão já lá vai. «Jornalismo imediato», prega o spot de uma televisão. Não é um diagnóstico vão. Ele é válido para quase todos os jornalistas e para quase todos os órgãos de comunicação que conheço – por motivos válidos e dificilmente removíveis, entenda-se. Mas eu conheço pelo menos um tipo com um brio invulgar.
A reportagem que publicamos amanhã sobre o lince-ibérico poderia ter sido concluída em Dezembro, com a libertação simbólica dos primeiros linces num recinto controlado. Ou em Outubro de 2014 quando as notícias sobre o sucesso de reprodução e sobrevivência em cativeiro eram muitíssimo animadoras. Ou mesmo em Março deste ano quando as primeiras libertações de animais em ambiente totalmente selvagem tiveram lugar. Para o Luís Quinta, faltava mais uma imagem. Mais um dado.
Perturbou metade da população da serra de Monchique em busca de informação, de rumores de avistamento. Foi para Vila Nova de Milfontes há mais de dois anos e descobriu um lince solitário, conhecido e tolerado por caçadores e população local, mas bem fora da área onde era suposto viver. Uma espécie de Tom Sawyer entre os linces, portanto. O Luís chateou coleccionadores privados que guardavam exemplares de linces caçados há décadas [num caso, um lince quase contemporâneo do 5 de Outubro de 1910]. Pediu dados à equipa de monitorização. Esperou por autorizações. Obteve dados inéditos sobre movimentos dos linces. Esta era uma das histórias que o Luís não queria falhar. Queria contá-la sem hipérboles. Só os factos – dados de conservação, ameaças reais, desafios de investigação, incógnitas.
Há fotografias na reportagem que publicamos amanhã que demoraram semanas a preparar. Há uma, particularmente deliciosa, na qual o Luís juntou uma imagem de câmara accionada por controlo remoto com o vigilante que tem a missão de verificar todos os dias os vultos que possam ter sido captados fortuitamente por esses dispositivos. Foi ele que, numa bela manhã de 2013, encontrou uma imagem inesperadamente bela na memória do equipamento. Teria sido tão fácil fotografar só o vigilante. Ou um vigilante. Ou publicar só a imagem a preto e branco do animal surpreendido naquele instantâneo fantasmagórico. Nenhuma contaria tão bem a nossa história como aquela que o Luís preparou e obteve (Não a mostro de propósito para vos forçar a procurá-la na revista!).
O jornalista Baptista-Bastos escreveu certa vez, no final de uma reportagem: «Ouvi dizer, aqui há muitos anos, que uma história começa quando os outros se surpreendem.» Vejam amanhã as fotografias do Luís Quinta e surpreendam-se. Então, sim, espero que estejam prontos para a história.

Sem comentários: