Rebelo Carvalheira, de camisola clara, em primeiro plano. Fotografia retirada daqui. |
Calhou passar esta semana na
Rua Carlos Mardel, no coração de Lisboa, a meia-dúzia de passos da Alameda Dom
Afonso Henriques, da Rua Guerra Junqueiro e das lojas sumptuosas onde o risco
de síncope aumenta à medida que nos informam dos preços em vigor. Nesta
transversal pacata, contudo, só há comércio tradicional. Pequenos cafés,
cabeleireiros, farmácias, uma resistente loja de ferragens – um espelho do
comércio repetitivo e sofrido de Lisboa. E, no entanto, as ruas guardam memórias
durante gerações. Sobretudo dos traumas.
Colegas de jornais de outros
tempos contaram-me que nesta rua morreu um dos nossos. Alguns nunca mais
conseguiram passar por aqui, evitando-a discretamente, sem uma razão palpável.
Outros nunca evitaram uma olhadela para o número 117, para a fachada, agora
mais gasta, e para as janelas onde decerto vivem agora famílias mais felizes.
Foi aqui que morreu brutalmente, em Junho de 1983, Rebelo Carvalheira, o “Recas”
como a equipa de “A Bola” o conhecia. E isso ficou gravado na memória dos
jornalistas da época.
Nascido Em Angola em Nine, trabalhara no Banco Comercial de Angola antes de a seta do cupido jornalístico o viciar para sempre. Trabalhou em jornais angolanos – no “ABC” que revelara Roby Amorim, e no “Província de Angola”, onde chegou a chefe de redacção depois da Revolução de 1974. Foi correspondente em Luanda de “A Bola” e, um dia, foi convidado a fazer parte da equipa de Vítor Santos na Travessa da Queimada. De adjectivo reticente, era um jornalista tarimbado, daqueles que não falhavam serviços, que cumpriam sempre as missões. No Sporting, João Rocha respeitava-o e, normalmente, guardava para ele e para “A Bola” alguma informação exclusiva – a pequena notícia de que se fazem os jornais.
Na madrugada do dia 3 de
Junho, sexta-feira, Rebelo Carvalheira despediu-se dos colegas no jornal à uma
hora da madrugada. Carlos Alberto Alves, colega em “A Bola”, conta (aqui) que
estranhou o silêncio, atípico nele. «Achei-o muito esquisito no jornal,
pouco falava, ao invés do que era habitual.»
Carvalheira folgava no sábado,
dia 4, e, para domingo, tinha-lhe sido atribuída a reportagem de um jogo do Boavista com
o Salgueiros no Estádio do Bessa. Planeava seguir para Famalicão na manhã
seguinte, onde morava a mãe. Mas nunca lá chegaria.
No Bessa, o repórter Simões Lopes
foi o primeiro a notar a ausência do colega. Descansou o espírito, pensando que
talvez Carvalheira tivesse escolhido outro ponto do estádio para ver o jogo.
Debalde. O jogo começou e acabou e, do repórter, não havia sinal. Não era
habitual no Rebelo Carvalheira. Informou-se a chefia de redacção em Lisboa na
noite de domingo e Vítor Santos temeu o pior. Esperou ainda essa madrugada,
«sem conseguir pregar olho», como contou a Neves de Sousa do “Diário de
Lisboa”, mas, na manhã seguinte (segunda-feira, dia 6), face ao continuado
silêncio do colaborador, informou a polícia.
Acompanhada pelo marido da telefonista
de “A Bola”, velho amigo do jornalista, e por um sobrinho de Carvalheira, a
equipa policial arrombou a porta do apartamento e encontrou um quadro dantesco.
O jornalista jazia, sem vida, assassinado. Fora agredido com uma garrafa de
vidro no crânio e o resto do corpo mostrava sinais de agressões continuadas. A
perícia posterior apurou que o homicídio ocorrera provavelmente na própria
sexta-feira. Os salpicos de sangue indiciavam uma luta feroz pela
sobrevivência.
Férteis em boatos e
semi-verdades, as redacções exploraram várias hipóteses. O apartamento já fora
assaltado no passado. Teria Rebelo Carvalheira entrado à hora errada em casa? O
seu passado em Angola foi esmiuçado: sem pudor, houve quem associasse o crime
ao tráfico de diamantes e a informação que o jornalista guardaria desde os
tempos de Luanda. O seu estilo de vida solitário (o eufemismo da época), sem
companheira, foi também questionado, até porque o corpo fora encontrado seminu.
Na rua, entretanto, desaparecera o seu Honda Civic (de matrícula FR-64-04), bem
como alguns objectos pessoais.
Em 31 anos, nunca se descobriu
a identidade do assassino de Rebelo Carvalheira, morto aos 47 anos, numa rua
pacata de Lisboa.
5 comentários:
gostaria de poder falar consigo
sou o sobrinho que o encontrou
cumprimentos
António Carvalheira
Boa tarde. Desculpe a demora na aprovação do comentário – tinha seguido para o Spam. Pode contactar-me pelo email goncalopr@yahoo.com
Terei muito prazer em falar consigo.
Cumprimentos.
Antonio Carvalheira, caso tenha feito serviço militar em Angola , e caso tenha passado pelo destacamento militar de Balombo/Benguela, estivemos juntos, diga algo, mas se não foi o Snr. foi algum seu primo, porque sobrinho de Rebelo Carvalheira, é coincidência a mais. Abraço.
Nasceu em angola?ele nasceu em nine v.n. de famalicao.
E por acaso era mesmo homosexual,sem desprimor nem desrespeito,era sim e se fosse hoje ele assumiria.
Tive o prazer de o conhecer pessoalmente. Sou de nine
Tem toda a razão. Foi induzido em erro por um dos obituários que li, mas deveria ter verificado duas vezes. Rectifiquei no texto o local de nascimento.
Grato pelo seu cuidado.
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