domingo, novembro 11, 2012

A deficiência nas notícias





Por motivos de força maior, tive de faltar ao workshop Media e Deficiência, preparado pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social, e no qual já confirmara a minha presença. Na meia hora que me cabia, pretendia discutir a hegemonia daquilo que Anne Karpf (1988) chamou a abordagem médica na difusão de informação sobre deficiência física, motora, sensorial ou mental.
Tinha em mente a proposta da Organização Mundial de Saúde de concepção da deficiência como “incapacidade” ou “limitação”, apelo que aparentemente não chegou ainda aos meios de comunicação. E, no entanto, a alteração semântica não é cosmética: se aceitarmos a noção de incapacidade, somos capazes de assimilar que a deficiência é mais abrangente do que pensamos. Em última instância, é algo que nos bate à porta na fase derradeira da vida, quando a audição, a visão, a mobilidade ou a cognição já fraquejam e produzem limitações no nosso estilo de vida.
Pretendia mostrar este excerto de cinco minutos da série “Make Me Superhuman”, produzida pelo National Geographic Channel e dedicada à biónica. É um documentário enternecedor – começo por aí. Baseia-se na força de vontade e resiliência de quem foi afectado por factores de incapacidade e se esforça por reduzir ao mínimo o transtorno provocado pela limitação das suas funções. Procurou inovações tecnológicas em fase de implementação, fornecendo esperança renovada às pessoas com deficiências. Mas registou também fraquezas que suscitam uma reflexão.
Tal como Karpf notou, este tipo de peça informativa, baseada na abordagem médica, tende a construir socialmente a deficiência ora como um acidente cruel da natureza (um erro genético), ora do destino (um acidente). Convida a audiência a aplaudir a pessoa com deficiência ou a expressar pena pelas suas agruras, mas o verbo operativo é transformar. Desse ponto de vista, a medicina é apresentada como a ferramenta única, que oferece possibilidade de cura, reabilitação ou melhoria da incapacidade, raramente sublinhando a necessidade de aceitação da condição debilitada – pelos próprios e pelos que os rodeiam, uma vez que a limitação se acentua quando as barreiras físicas ou sensoriais se acumulam.
Infelizmente, ao vertermos a deficiência para as notícias, subrepresentamos horrivelmente os grupos etários e sociais mais afectados. Cerca de 8% dos portugueses sofrem pelo menos um tipo de incapacidade; a maioria, dizem as organizações de apoio às pessoas com deficiência, são idosos. E, no entanto, as peças noticiosas (já para não falar na ficção de que Karpf também se ocupa) raramente os representam, preferindo os rostos e corpos jovens como ícones do tema. As próprias deficiências não são tratadas de forma equitativa. Se já começam a ser comuns as notícias sobre deficiência física, motora ou sensorial, a deficiência mental continua a ser um tabu, um tema escondido, ao qual raramente se recorre. *
Era, no fundo, esta reflexão que eu pretendia levar a discussão na passada quinta-feira, para além de mostrar um processo típico de selecção, produção e difusão de um tema na revista – a biónica, tema de capa da edição de Fevereiro de 2010. Terá de ficar para outra vez.

* Faço a ressalva para a importante mensagem veiculada pelos Prémios de Jornalismo Sobre Saúde Mental. A reportagem da RTP, “Mentes Inquietas”, da autoria de Isabel Pereira Santos e dedicada à doença mental, foi justamente premiada este ano, dando corpo, espera-se, a uma tendência de vulgarização deste objecto de trabalho nas notícias e reportagens jornalísticas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente, meu caro.