Foi hoje! Já lá vão dois anos que, por mudança da sede da empresa onde trabalho, passei a deslocar-me com mais regularidade de metropolitano. Nunca, nestes mais de 700 dias de viagens por baixo da terra, vi um fiscal da empresa Metropolitano de Lisboa. Cheguei a pensar que a sua existência era um mito urbano, uma lenda que se contava aos mais novos. Afinal, estes seres que trabalham no subsolo da cidade existem mesmo. E trabalham nas estações. Eu próprio observei. Ninguém me contou.
É certo que o indivíduo em causa estava sentado numa cabina que dizia “Encerrada”. E parecia dormitar, antes de ser violentamente acordado por um utente que, imagine-se, queria saber se precisava de mudar de linha no Marquês de Pombal. A farda estava desabotoada, mas cobria parcialmente o tronco do senhor. E o olhar de falcão que ele catrapiscava regularmente para o monitor não enganava, mesmo que parcialmente prejudicado por uma ramela teimosa.
Dizem as normas de utilização do Metropolitano de Lisboa que, e cito, os Agentes de fiscalização são devidamente ajuramentados, sendo considerados, para todos os efeitos e no exercício das suas funções, agentes de autoridade pública.
Nos casos de infracção ou suspeita de infracção, os Agentes (com maiúscula, assim mesmo, para acentuar a autoridade) de fiscalização podem exigir a identificação dos clientes e pedir a intervenção da autoridade competente, levantando, para o efeito, os competentes autos de Notícia (igualmente destacados, para sublinhar a dureza da pena).
Compreendo e respeito a posição, mas até hoje intrigou-me como pretendia a empresa fiscalizar a utilização correcta dos seus terminais se não colocava nenhum agente, ou Agente, em qualquer estação. Da Pontinha a Odivelas, da Gare do Oriente ao Rato, da Alameda a Alfornelos, eles estão ausentes nas 48 estações da rede. Não se avistam quando é necessário tirar dúvidas sobre percursos, nem quando as máquinas automáticas engolem dinheiro a mais. Se ocorrer uma emergência numa das estações (e nem estou a falar de terrorismo. Basta pensar num princípio de incêndio ou no desabamento de uma galeria), o utente fica entregue a si próprio. Orgulhosamente só, no subsolo.
A empresa Metropolitano de Lisboa agilizou-se, dizem os responsáveis. Agilização é eufemismo para mecanização fria e completa. Desconheço quantos funcionários tem hoje a empresa [os últimos números reportam-se a 2003], mas adivinho que muitos terão sido dispensados ou reorientados para outras tarefas. Todavia, esta agilização mecânica continua a não evitar que alguns utentes, um pouco mais lentos do que o Obikwelu, sejam prensados nos cretinos torniquetes entretanto montados. Quem desconhece o diagrama da rede sente-se perdido nas estações. Quem viaja a horas menos concorridas, corre sempre o risco de ser assaltado porque a vigilância, para o Metropolitano de Lisboa, é uma questão de fé: ninguém a vê, mas ela existe.
De acordo com os rácios económicos apresentados no próprio balancete estatístico da instituição, a empresa chegou a despender mais de 50% dos seus custos totais com custos pessoais durante a década de 1990. Esse valor foi reduzido e chegou, em 2003 (o último ano disponível), aos 35%. A redução percentual é explicada pela saída de cerca de 250 trabalhadores efectivos no mesmo período. Desconheço ao certo que sectores foram aliviados dos respectivos funcionários, mas adivinho que boa fracção deles tenha sido retirado das várias estações. É a única explicação plausível para o desaparecimento progressivo dos Agentes, cujo avistamento se tornou mais raro do que a observação de um lince-ibérico ou de uma águia-real.
Pergunta inocente: valerá a pena projectar um investimento de 1,4 mil milhões de euros até 2010 (números do “Diário Económico”, de 6/7) na expansão e melhoria da rede se não se consegue sequer garantir a fiscalização indispensável dos ingressos dos utentes? A não ser, claro está, que a empresa confie no sentido de estado dos utentes. Aos ingénuos e bem-aventurados, segundo creio, está reservado o reino dos céus.
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