quinta-feira, junho 09, 2005

Pongo

A propósito de grandes conferencistas científicos, de anúncios pomposos de descobertas e de falsos ídolos.

«A grande novidade em Londres é a chegada de um hóspode ilustre – o sr.Pongo. Quem é o sr. Pongo? (…) O sr. Pongo não é um príncipe, nem um general, nem um escritor, nem um descobridor, nem sequer um rabequista – é simplesmente um macaco. Mas que macaco! É um gorilha [sic]: o primeiro,o único que tem vindo à Europa! (…) Comia ordinariamente farináceos e frutas, mas ultimamente o seu guarda, tendo-lhe dado um pedaço de bife, notou que Pongo o devorava com singular apetite. Começaram a dar-lhe carne e água; come tudo o que come um gentleman: o seu almoço é como o de qualquer de nós – ovos e costoletas ao breakfast. Veio-se à conclusão que poderia beber tudo – desde Bordéus até Moet et Chandon. (…) Milhares de pessoas afluem a admirar esta espécie de homem primitivo, que há alguns mil anos era o que havia de mais perfeito na superfície da Terra, e era então o rei da Criação! Quem sabe se daqui a alguns mil anos, quando a raça humana, tal qual é hoje, tiver quase desaparecido para dar lugar a uma forma humana mais perfeita, um sábio então não encontrará, nos desertos ou nos bosques, um último homem e não virá expô-lo nalguma Londres dessa época? E os seres mais perfeitos de então virão contemplar com espanto o seu antepassado, o homem, como nós hoje contemplamos o nosso antepassado, o gorilha!” (…) Pongo até agora, dorme bem, almoça o seu beefsteak, janta sopa, roast.beef e sobremesa, fuma três ou quatro charutos por dia, palita os dentes, dorme a sesta – e faz tudo o que faz qualquer inglês, excepto ter uma opinião sobre a Questão do Oriente, o que é, penso eu, uma qualidade a seu favor

Eça de Queiroz, in "Cartas de Inglaterra"

1 comentário:

Anónimo disse...

Vidas de gorila...