(Washington, 7 de Junho)- Por muitos ressentimentos que o modelo americano gere entre as opiniões públicas europeias, há uma ideia que é genuinamente americana e universalmente aceite como geradora do conceito contemporâneo de conservação: a noção de parque natural, instituída no século XIX e disseminada pelo mundo fora, como um vírus benigno.
Esta semana, tive oportunidade de visitar o Parque Natural de Shenandoah, na Virgínia, e constatei que há uma diferença abissal entre os conceitos português e americano. Chamamos-lhe o mesmo nome, é certo, mas os pontos de contacto terminam aí.
Se me permitem o sarcasmo, o plano de ordenamento deste parque foi aprovado no mesmo ano em que ele foi instituído. Não sofreu contestação. Foi aceite e integrado no tecido social e nas regras de ordenamento local. Contei por aqui, a uma audiência divertida, as peripécias da Arrábida, mas não fui levado a sério. Tentei, mesmo assim, defender a tese de que Portugal ostenta a discutível virtude de ter gerado um novo modelo de parque: o do parque que não tem regulamentos... para ser parque. Nao acreditaram.
Esperava encontrar nesta pequena área protegida (pequena para os padrões da América do Norte) mecanismos de rendibilização económica, como sucede em Yosemite ou Yellowstone e que tantas vezes são citados pelo presidente do ICN. Ironicamente, não há exploração comercial desta área protegida ou, por outra, o parque até permite contratação de guias, disponibiliza informação adicional mediante uma pequena taxa, aluga alojamentos e por aí fora. Mas o orçamento de Shenandoah é atribuído regionalmente. Tudo o que é amealhado através do tal conceito de "área protegida potenciada" é canalizado para uma ONG que, de certa forma, gere as minúcias do parque.
Ora, apesar de ser o governo regional a custear a área protegida, não há registos de protestos. O modelo não merece discussão na Virgínia. Encontrei, entre as pessoas com que falei, um orgulho genuíno pelo privilégio de poder viver a curta distância deste espaço. Aceitam as restrições que ele exige, não fazem fogueiras, nem deitam lixo para o chão. Não constroem à revelia, não cortam árvores, nem caçam furtivamente. Não emitem despachos que pronunciem incontestáveis interesses públicos. O parque valoriza a região que, por esse privilégio, paga uma fatia do orçamento. E o modelo parace funcionar.
Naturalmente, também há ameaças. Duas, disseram-me, ambas relacionadas com doenças da modernidade. A poluição atmosférica das estradas da região afecta tremendamente a qualidade do ar em Shenandoah. E depois... há as motas. As estradas que circundam o parque e alguns caminhos pedestres são usados pela comunidade motociclística local, que testa a velocidade nestas vias. Mostraram-me um site inacreditável onde se indicam os recordes de velocidade estabelecidos em cada curva apertada, nas rampas mais acentuadas e por aí fora. Inevitavelmente, morre uma pessoa a cada duas semanas com estas brincadeiras.
Mas estes são, convenhamos, os problemas de um país sobredesenvolvido que, como uma criança que cresce sempre mais rápido do que as suas roupas, tem regularmente de encontrar soluções para novos problemas. A mensagem que pretendo transmitir nesta crónica é bem mais óbvia: citar o modelo americano de financiamento de áreas protegidas públicas sem relatar as suas especificidades é, não só desonesto, como perigoso. Porque, mesmo aqui, no paraíso do liberalismo, o Estado não abdica da tutela e da responsabilidade sobre os valores naturais. Admite que necessita de verbas para que o trabalho seja mais eficiente, mas não se demite da sua responsabilidade. Se vamos decalcar fórmulas alheias, convém, pelo menos, que atentemos em todos os elementos que as compõem.
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