Poderia ser o conteúdo de um daqueles cartazes irritantes que, durante dois anos, foram impressos em Lisboa pelo autarca promovido a primeiro-ministro. Desconfio, porém, que este não será mostrado. Apesar disso, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) está de facto a acompanhar a gravidade da situação e a dotar-se de instrumentos de análise. É um bom sinal. Mesmo sem cartazes.
A principal (se calhar, a única) vantagem de ter um reputado engenheiro hidráulico como presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa parece ser, de facto, a campanha entretanto desenvolvida para a elaboração do primeiro plano geral de drenagem da cidade.
Ao abrigo desta iniciativa, a CML instalou quatro medidores do caudal do sistema de saneamento da baixa. Inovadores, apresentam em tempo real flutuações significativas e permitem gerir melhor o sistema de saneamento da cidade. Vão monitorizar diariamente o nível dos esgotos e das águas pluviais desta zona histórica , fornecendo dados que permitam antecipar as intervenções de recuperação. Até aqui, na baixa lisboeta, os serviços municipais têm actuado como bombeiros, apagando os fogos que entretanto vão deflagrando, mas sem capacidade de prever onde surgirá o próximo.
A iniciativa é louvável, mas trata-se apenas de um primeiro passo na tentativa de compreender a natureza e evolução do subsolo dos bairros lisboetas mais próximos do rio Tejo.
Desde as primeiras crateras (na baixa e fora dela) que os lisboetas mostraram preocupação com a Lisboa subterrânea, com os desabamentos regulares na baixa pombalina, com as fissuras nas casas velhas, com os buracos gigantes que engolem veículos. À boca cheia, peritos e leigos comentam que as caves de betão entretanto construídas na baixa pombalina, os parques de estacionamento subterrâneo, até mesmo o túnel de metro do Rossio interferiram com o caudal das ribeiras subterrâneas da zona nobre da cidade. Verdadeiramente, ninguém sabe se estas preocupações têm motivos fundamentados. Mas quem vive ou trabalha na baixa sente o receio nos comerciantes e nos residentes.
Há cerca de um ano, quando uma cratera engoliu positivamente um autocarro no espaço de vinte minutos em Campolide, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, homem suficientemente apolítico para não ser tomado como parcial, alertou para o risco motivado pelo encanamento de águas pluviais e para os deficientes canais de escoamento que a Lisboa ribeirinha, cada vez mais assente em betão, proporciona. As construções entretanto autorizadas (indistintamente pelos partidos de esquerda e direita que governaram a câmara de Lisboa nos últimos vinte anos) afectaram também a ciculação de águas subterrâneas, provocando abatimentos e modificando irremediavelmente os sistemas de drenagem naturais.
Enquanto a cidade se prepara para marcar os 250 anos do terramoto de 1755 e se fala de uma possível candidatura a património mundial da UNESCO, seria positivo que Carmona Rodrigues disponibilizasse estes primeiros dados sobre a flutação de caudais subterrâneos. Desconheço se a CML pretende divulgá-los diariamente (como o faz por exemplo o Instituto do Ambiente com os dados da qualidade do ar), mas seria uma forma (a única, talvez) de começarmos a saber o que se passa por baixo dos nossos pés.
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