Na voragem que consumiu quatro ministros do Ambiente em dois anos de executivo da coligação PSD/PPD-CDS/PP e que ontem terminou com a demissão do governo, não foi fácil acompanhar pessoas e ideias, projectos e estratégias dos quatro homens que tutelaram a área. Consultando agora apontamentos e recortes destes dois anos, é possível traçar um comentário à acção dos quatro governantes. E quem diria? Dos quatro ministros que conhecemos, Luís Nobre Guedes, advogado, representante de interesses instalados em áreas protegidas, perfeito ignorante da temática ambiental e membro de um partido que dedica meia dúzia de linhas ao Ambiente no seu último programa, foi o mais capaz. Ou, por outras palavras, foi o menos mau.
Não foi claramente um daqueles ministros que deixa marcas na área que tutela (como Sócrates deixou) ou que fica ligado a reformas estruturais do sector (como Carlos Pimenta enquanto secretário de Estado). Mas, devo admiti-lo, defendeu a sua dama e travou ataques nestes quatro meses que poderiam ter tido consequências terríveis.
A fasquia, é preciso dizê-lo, não era alta. Isaltino de Morais tratou sempre o Ambiente como o indivíduo da anedota que fica amargurado porque, depois de herdar o património que ambicionava (as cidades e o ordenamento do território), herda também a obrigatoriedade de viver com a sogra (o Ambiente). Foi claramente a fava do bolo e nem sequer houve tempo para perceber como o ex-autarca de Oeiras iria descalçar a bota. A inesperada conta bancária suíça do sobrinho, que Isaltino desconhecia e depois conhecia, fez precocemente tombar o ministro. Porventura, ainda hoje Isaltino não sabe, nem suspeita, que planos queria cumprir na área do Ambiente. Há males que vêm por bem - sobretudo quando se revestem de chorudos 400 mil euros.
Seguiu-se Amílcar Theias. Deu sempre ideia de estar para o governo como a idosa da séria "Allô allô" estava para o planeamento da resistência francesa. Ou seja, estava a leste e com uma vaga ideia de que algures, lá fora, se travava uma guerra. Mesmo assim, admito que foi um sério concorrente ao prémio de melhor "gaffe" do executivo, quando alvitrou que os ex-combatentes da guerra colonial, que tinham granadas de mão em casa, estavam na lista dos possíveis pirómanos de Verão! Em abono de verdade, reconheça-se que tomou uma posição de força no caso da possível extinção do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), em Outubro de 2003. Ganhou a batalha, mas perdeu o cargo.
Arlindo Cunha tomou então o lugar de Theias. Cunha deve ser um dos políticos mais amargurados de 2004. Trocou um lugar europeu por um cargo que não estava nos seus planos, não desejava, nem tinha especial vocação para ele. Semanas depois da sua tomada de posse, Durão Barroso aceitou o lugar europeu e partiu para a Bélgica com bilhete só de ida. Conta-se que no jantar em que Durão Barroso terá auscultado o seu elenco (mas que, na verdade, serviu apenas para comunicar a decisão já tomada), havia dois rostos com expressões impagáveis: o de Arlindo Cunha, petrificado com o que lhe acontecera; e o da esposa do PM, que se sentou ao lado dele e lhe foi perguntando onde podia comer em Bruxelas, o que devia visitar e o que devia levar vestido!
Entrou então Luís Nobre Guedes, já com Santana Lopes ao leme.
Ao contrário do que muitos disseram, considero que a sua intervenção na divulgação do relatório sobre o incêndio na refinaria da Galp não foi absurda. Nobre Guedes, à data, não sabia ainda que em política os relatórios só se divulgam quando não têm consequências nefastas para o executivo. Caso contrário, toma-se a decisão democrática de o remeter para o fundo da pilha de despachos! O ministro foi ingénuo, mas paradoxalmente tomou a decisão certa.
Na discussão do PN Arrábida e das construções ilegais, chegou a temer-se que o ministro fosse lançado borda fora. A sua própria casa no local foi avaliada e tornou-se difícil perceber por que motivo algumas residências seriam demolidas - e a do ministro não. A Arrábida terá sido o principal espinho nestes quatro meses de actividade.
Discretamente, mas com resultados positivos, o Ministério do Ambiente prosseguiu também a negociação relacionada com o comércio de emissões. O alinhamento com a média europeia neste capítulo e a pressão colocada sobre a indústria (que deverá manter-se nos próximos executivos) foram passos positivos. O apadrinhamento do plano nacional de alterações climáticas e a sua ampla divulgação na imprensa transmitiram sinais de que, finalmente, havia um plano de acção no Ministério.
Destaco por fim o empenho em travar a revisão da REN e da RAN, que as colocaria debaixo da alçada autárquica. No caos em que vivemos no último mês, a modificação jurídica das duas reservas teria passado em claro. Temo, porém, que o processo venha a ser reabilitado nos próximos tempos, tamanho é o apetite dos autarcas.
Houve, claro, passos em falso. As polémicas com Barreto não enobreceram Guedes. As áreas protegidas sem planos de ordenamento ainda são maioritárias. O ICN viu o orçamento entretanto reduzido (pela terceira vez consecutiva) e foi humilhado com a divulgação de problemas graves de tesouraria. A nomeação da actual direcção foi mesmo ensombrada por uma recusa de última hora, mal explicada e mau augúrio para a casa. Apesar disso, Guedes superou o exame. Com dez valores, mas superou.
Em Fevereiro, haverá portanto eleições e teremos novo ministro. Se me é permitido expressar um desejo: que o senhor que se segue consiga governar durante toda a legislatura. Já não seria mau.
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