Desculpem-me as palavras rudes do título, mas esta foi a minha primeira reacção quando comecei a digerir o "Prós e Contras" de ontem, programa da RTP dedicado ao ambiente e desenvolvimento sustentável em Portugal.
Proponho um exercício dramático: apresentarei os personagens do enredo como se de uma peça de teatro se tratasse. Acompanhem-me por isso se quiserem perceber o que se passou ontem nos estúdios da televisão estatal.
Fátima Campos Ferreira é a apresentadora. Pelo próprio formato do programa, é obrigada a dominar temáticas radicalmente diferentes de semana para semana. Esforça-se por atirar alguns números para cima da mesa, mas não percebe quase nada do que é dito. Fica radiante quando um dos convidados pega na sua deixa e lhe diz qualquer coisa como "Ainda bem que me pergunta isso". Passou duas horas a prometer que se falaria de energia e basicamente gastou dois minutos com o tema (intervenção de Carlos Pimenta). Repete ad eternum a fórmula "Senhor ministro, o que tem a dizer?" - a dado ponto fez lembrar o lendário "Juiz Decide", dos primórdios da SIC. Terminou com um sorriso dos grandes, dizendo que este programa encarna "a nossa missão e o espírito de serviço público". Caramba! Tanto também não.
Carlos Pimenta foi ministro do Ambiente e, para muitos, foi o melhor de sempre. Fartou-se rapidamente de remar contra a maré petrolífera que sistematicamente domina todas as políticas energéticas dos governos de esquerda e direita e decidiu fazer o mais certo: fugiu da vida política e foi ganhar dinheiro. Está ligado a um consórcio de exploração de energia eólica e foi uma das personagens mais interessantes do programa. Estava porém irritadíssimo e gritava a plenos pulmões em cada intervenção. A dado ponto, se o deixassem, teria enfiado uma turbina eólica pela garganta da Fátima Campos Ferreira. Sobretudo quando ela lhe dizia "Só mais um bocadinho, sotôr, já lhe passo a palavra."
Viriato Soromenho-Marques é um ambientalista dedicado e outra excelente aquisição para o programa de ontem. Falou com propridade porque é talvez o maior especialista nacional em política ambiental, nomeadamente nos passos (poucos) que demos de legitimação do tema na agenda política e dos passos (muitos) que ainda faltam. Não posso troçar dele. Considero-o meu amigo (é um privilégio que os blogs nos fornecem - troçamos só de quem queremos!)
Luís Nobre Guedes é o actual ministro, o quarto de uma legislatura que ainda só leva dois anos. Vinha satisfeito porque alguém lhe tinha passado um papel com o total de emissões gasosas industriais em 2003, mas poderia começar por aprender a não dizer "emissões de estufa". Transmite, com isso, a ideia de que está a falar de plantações de morangos. Esteve atento ao que se dizia, com pose ministerial, mas levou uma bordoada de Luís Schmidt mesmo a acabar o "show", quando a socióloga, no remate final, falou de casas aprovadas e casas chumbadas ao sabor da corrente e cujos critérios ninguém percebe. Quando o filmaram depois do "take" precioso, ainda estava a consertar o maxilar na sequência desse "uppercut".
Pedro Silva Pereira é, há dois anos, o ministro-sombra do Ambiente. Quando soube que haveria um frente a frente entre ele e Nobre Guedes, fiquei com o mesmo ar dos adeptos do Benfica depois lhes sair em sorte o Oriental na Taça de Portugal. Vai dar goleada! Afinal, a vantagem traduziu-se em pontos residuais. Nervoso, interrompeu o ministro vezes sem conta. Viu-se que não fazia ideia se o número que o ministro atirou ao ar era real ou não, mas não arriscou. Deveria ter-se escangalhado a rir depois de ouvir Nobre Guedes dizer que deseja que este governo seja reconhecido como o "do desenvolvimento sustentável". Limitou-se a sorrir delicadamente, numa pose de aspirante a estadista. Mas definitivamente Pedro Silva Pereira não é o novo José Sócrates.
Por fim, Luísa Schmidt. É brilhante, racional e metódica. Não está muito à vontade em televisão, e o remate final foi feito aos solavancos, como se tivesse soluços. Mas compensa a lacuna fotogénica com um domínio tremendo das pastas em que se envolve. A sua intervenção valeu pela "murraça" que inflingiu ao ministro quando a cortina se preparava para cair. A sua recente investigação, publicada em livro e guião de quatro documentários, fala por si. Deveria ter sido ela a conduzir o debate e escusávamos de ter ouvido a Fátima dizer sabiamente que "vai há muitos anos ao vale do Ave em trabalho, e outros colegas também vão, e aquilo está cada vez pior".
Tudo somado, não me interpretem mal, valeu a pena passar o serão a ver o "Prós e Contras". Esperemos pelo próximo.
3 comentários:
Só uma correcção: o Carlos Pimenta nunca foi ministro do Ambiente, apenas secretário de Estado. O primeiro ministro do Ambiente foi Fernando Real, já Carlos Pimenta tinha sido despachado em alta velocidade para Bruxelas...
Eu não consigo ser tão positiva quanto o autor para achar que apesar de tudo valeu a pena! A sensação que me deixou o programa foi de não se ter agarrado uma oportunidade de discutir o desenvolvimento sustentável em Portugal, com as três pessoas que lá estavam e que sabiam do assunto! Com o petróleo a ultrapassar os $50/barril, só o Carlos Pimenta falou ao de leve em energia!! Sem gastar menos, de forma mais eficiente e sem recorrer a recursos endógenos (leia-se renováveis) não há solução para o desenvolvimento sustentável. Esta ideia crucial devia ter passado para o público em geral, sem ambiguidades e de forma muito clara. Fernanda Rosa
Obrigado a ambos pelo feed-back. É sempre útil receber sugestões ou rectificações.
Enviar um comentário