Começo por dizer que tenho a pior das impressões da empresa Brisa, gestora de auto-estradas no nosso país. Normalmente, só ouvimos falar da empresa em três circunstâncias mediáticas: quando ela anuncia gigantescos lucros de actividade anual; quando ela impõe aumentos grotescos no preço das portagens, sem apelo nem agravo; quando ela se esquiva a arcar com as responsabilidades por acidentes ocorridos nos traçados por ela geridos e por deficiências de segurança da sua responsabilidade. Hoje, cabe-me também dar conta da inesquecível experiência de conduzir numa estrada da Brisa.
Sábado, manhã enevoada. O tempo não convida, mas um inesperado compromisso levou-me a seguir de urgência para o Norte. O destino previsto era o Entroncamento, mas, como depressa perceberão, nunca lá cheguei. Expliquemos.
Às 11h30, a fila de trânsito começava ainda em Lisboa, em plena Segunda Circular, junto ao nó do Campo Grande. Coisa normal, pensei, para um início de fim de semana alargado e marcado pela deslocação de milhares de lisboetas ao Norte. Segui, confiante, estrada fora. Eram 11h30, repito.
A fila compacta não foi escoando como de costume. Por vezes, vagarosamente, como uma cobra no período mais lento do seu metabolismo, a fila dava pequenas sapatadas e lá avançávamos 500 metros. À medida que os ponteiros do relógio marcavam o início do meu atraso, fui sintonizando repetidamente os postos de rádio que encontrei. Sem informações para dar, fui ouvindo música, mais música, sempre música.
12h30: sete quilómetros percorridos. Os primeiros condutores exasperados estão prestes a explodir à mínima faúlha. Felizmente, uma bátega de água, com pedrinhas de granizo à mistura, contribuiu para que voltássemos todos, beligerantes e espectadores, para o calor dos carros. Como um rebanho confinado a um corral exíguo, milhares de veículos permaneceram imóveis, à espera de ordem para prosseguir.
Duas horas depois de cada engarrafamento, começam normalmente os boatos. A culpa é deste ou daquele. Dos velhos que andam devagar e esbarram nos rails. Das senhoras que conduzem sem cuidado. Dos adeptos do tuning que transformam as estradas em pistas. Do governo. Da oposição. Os motivos da paragem também intrigam. Um acidente. Muitos acidentes. Um viaduto caiu. Uma operação stop. Obras na estrada. Uma manifestação de ambientalistas (sugestão que escutei, afianço, embora não compreenda exactamente por que motivo alguma ONGA desejaria fechar uma estrada em dia de chuva). Uma greve da Brisa.
14h. Já lá vão duas horas e meia de insuportável lentidão. Nas rádios, ninguém parece dar conta de mais uma crise nas estradas da Brisa. Alguém debate a crise dos transportes públicos na antena. Apetece-me arrancar cabelos às mãos cheias. Andei 21km e a esta hora já devia estar no meu destino.
Meia hora depois, uma placa sinaliza um número de atendimento da Brisa. Ligo sofregamente. Procuro disfarçar a irritação e fico a saber que um camião tombou ao quilómetro 92. O conteúdo derramou sobre as duas faixas. A funcionária não sabe dizer o que era o conteúdo - fardos de palha ou lixo tóxico? Não sabe indicar itinerários alternativos. Não sabe estimar o tempo de espera. Não sabe explicar por motivo não está um representante da Brisa na antena, explicando o sucedido e dissuadindo outros desgraçados a viajar para esta armadilha.
Espalho rapidamente a informação à minha volta. Alguns condutores ligam apressadamente para o mesmo número e insultam, com personalidade, a operadora. Penso em fazer um pequeno discurso sobre auto-estradas exíguas para um parque automóvel gigantesco e sobre circulação de pesados mal acondicionados e com cargas perigosas nestas estradas, mas detenho-me a tempo. As veias no crânio desprovido de cabelo do condutor à minha direita trepidam e não antecipam nada de bom. Limito-me a minar o nome da Brisa, o que sempre é serviço público.
O resto, acredito, o leitor adivinha. Lenta, lentamente percorri escassos quilómetros enquanto imaginava a carga do malfadado camião e me deleitava com o que eu gostaria de lhe fazer. Cheguei ao desvio para Torres Novas às 15h50, mais de quatro horas depois do previsto.
Pelo meio, passei por painéis electrónicos, belíssimas peças de equipamento, culto da tecnologia de ponta de que a Brisa se mune, mas infelizmente desligados. Soube entretanto que, mais a sul, perto de Santarém, pedaços (!) de um viaduto caíram no asfalto, cortando a circulação nos dois sentidos por mais umas horas. Aparentemente, os viadutos da Brisa caem que nem tordos.
Hora mais tarde, ligo o computador. Leio as notícias e páro embasbacado: "Os Lucros da Brisa Cresceram 61% no Primeiro Semestre de 2004" - leio num título.
Devia ter levado um pedaço do viaduto tombado. É capaz de valer dinheiro...
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