A cada dia que passa, o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) parece cada vez mais um barco à deriva. Não se infira daqui que critico técnicos e administradores da instituição. Tenho pelo ICN o carinho dispensado aos projectos inovadores, que rasgaram horizontes e impuseram práticas e conceitos inéditos no quadro do planeamento do território e da conservação da natureza em Portugal. Quem se recorda dos caóticos anos 1980 reconhece que a criação deste instituto clarificou, por fim, o que parecia não ter rei nem roque: o ordenamento do território do ponto de vista ecológico, de acordo com critérios estabelecidos pela brilhante Lei de Bases do Ambiente de 1987.
Há semanas, um professor da Faculdade de Ciências de Lisboa dizia-me que o ICN, com todos os seus defeitos e com todo o imobilismo resultado de uma estrutura pesada e onerosa, seria sempre preferível a qualquer solução de circunstância, fosse ela a direcção-geral de Ambiente, de Florestas ou qualquer organismo disponibilizado à pressa para albergar estas competências. Subscrevo claramente esta tese. E acrescento que nunca este cenário esteve tão próximo como em Outubro do ano passado.
Nos últimos dias desse mês de Outubro, a Quercus evitou a extinção do ICN e a transferência das suas competências para a alçada da direcção-geral de Florestas (DGF). A rápida capacidade de reacção da organização ambientalista transferiu a discussão da esfera interna (onde se preparava já uma decisão final e inapelável) para a esfera pública e motivou uma ampla reacção da sociedade civil, de ex-ministros, de políticos ligados ao sector e até do ministro Amílcar Theias, que justificadamente não aceitou imolar o ICN num processo de contornos duvidosos. Não nos iludamos: a debatida transferência das competências sobre as áreas protegidas para a DGF, no seio do Ministério da Agricultura, teria impactes gravíssimos sobre a gestão do território e a sua possível conversão, a breve prazo, em áreas de cultivo ou de plantio florestal.
A primeira tentativa falhou então em Outubro de 2003, mas nem por isso o futuro do ICN desanuviou. Três ministros depois (e não contando já com o facto de Amílcar Theias ter sido a segunda opção de Durão Barroso para esta pasta!) e sem verbas minimamente dignas, o ICN assemelha-se a um navio à deriva, que vai vivendo dos víveres que ainda armazenou, que vê cada vez mais técnicos abandonar o barco e seguir outras carreiras e que começa a ver as suas competências esvaziadas à medida que se discutem modificações radicais no estatuto da Reserva Ecológica Nacional. Um dia, não muito distante, o barco do ICN vai finalmente parar e afundará lentamente.
O que se pretende com esta asfixia da primeira entidade com responsabilidades na gestão das áreas protegidas e da conservação da natureza? Porque não se criam condições para a investigação dos biólogos ligados às várias áreas protegidas? Por que motivo o poder político tem a triste tendência de isolar o ICN, deixando-o sozinho a pregar no deserto, quando lhe cheira a polémica (aconteceu na discussão do Parque Marinho da Arrábida; voltou a suceder na serra da Nogueira e na ria Formosa; ocorre agora no Parque Natural da Arrábida)? Responda quem souber.
1 comentário:
Sou bióloga numa das áreas protegidas de que fala. A situação é ainda mais grave do que a descreve: com o financiamento cortado, deixámos sair dois dos melhores investigadores, todos os projectos estão parados e as contas mais básicas vão acumulando. Resta-nos uma miragem: Conseguir ganhar um projecto comunitário e recuperar uma bolsa de ar para os próximos meses.
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