Os anos vão passando, mas há
coisas que mudam pouco ou nada. Ontem, participei numa mesa-redonda sobre a
divulgação da arqueologia subaquática para lá do circuito tradicional entre
pares. Éramos dez pessoas numa sala gelada, e a discussão foi curiosa, embora expressa
nos termos habituais: a necessidade de educar o público; a necessidade de
formatar os media; a importância de
explorar canais alternativos na transmissão de informação à sociedade civil; os
perigos da intermediação por leigos da informação científica. Não descobrimos a
pólvora ontem – parece-me claro. O tema tem sido debatido há vinte anos com poucas nuances.
Não vos maçar com o que
disse. Essencialmente, defendi que, do ponto de vista dos meios de comunicação
tradicionais, estamos na fase de descida vertiginosa na montanha-russa do
interesse jornalístico pelo tema. Publica-se pouco sobre arqueologia, apesar de o interesse da audiência por estas questões permanecer vivo. Os temas de Arqueologia seleccionados para a capa da National Geographic continuam cotados entre as escolhas mais populares dos leitores. Tanto quanto consigo
extrair conclusões, acredito que a explosão mediática do tema nas notícias durante a
década de 1990 acompanhou a institucionalização da arqueologia no seio da
Cultura, com a criação de um Instituto Português da Arqueologia (IPA) dinâmico,
com músculo, com gente boa e agressiva.
Os media reagem aos estímulos. O Ambiente institucionalizou-se enquanto tema jornalístico em relação directa com a sua institucionalização na agenda política, sobretudo a partir do momento em que foi consolidado um Ministério do Ambiente. Na Cultura, embora a competição seja maior e ainda persista o estigma da Alta Cultura e da Baixa Cultura, a questão não me parece muito diferente. Durante seis ou sete anos, o IPA produziu esse estímulo, agitando
águas, organizando campanhas científicas, publicando com regularidade. E os meios de
comunicação expressaram esse entusiasmo, multiplicando secções temáticas nos jornais,
produzindo notícias e reportagens; sem IPA, desapareceu o ferrão da abelha que
nos punha (arqueólogos e jornalistas) a mexer.
O ponto alto da sessão,
porém, foi a intervenção do professor Carlos Fabião, arqueólogo da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e velho amigo (já lá vão 14 anos) da casa amarela. Depois de identificar
várias oportunidades perdidas de valorização in situ de contextos arqueológicos no coração da cidade de Lisboa –
com o cais da Praça Dom Luís à cabeça – propôs uma leitura de «Portugal, Hoje.
O Medo de Existir» de José Gil aplicada à arqueologia. «Na arqueologia, constato
de facto a não inscrição de que fala o José Gil», disse. «Uma ocorrência tem
lugar, suscita declarações e tomadas de posição vigorosas, mas, passado um tempo,
parece que não aconteceu. Parece que não se inscreveu na história. E se não se
inscreveu, não há responsáveis e continuamos como se nada tivesse acontecido.» De
certa forma, é como a proverbial pedra lançada para o lago: provoca ondulação
temporária, mas, minutos depois, o espelho de água permanece exactamente igual
e a pedra descansa no fundo.
Haverá ferrão que nos pique
colectivamente e que modifique este medo de existir? Disse-se na sala, com
algum humor, que se calhar está na hora de concentrar todos os esforços nas
acções educativas da população infanto-juvenil e desistir dos adultos.
Esses já estão perdidos!
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