"Paisagem com a Queda de Ícaro" Museu Real de Belas-Artes da Bélgica |
Ontem, foram quase tão populares as
mensagens de empatia com o “Charlie Hebdomaire” como as mensagens de repulsa
pelas correntes electrónicas de solidariedade fácil. Daqui a uma semana, o
trigo estará separado do joio e só os verdadeiros fãs do “Charlie” (e de
Wolinsky, e de Charb) lamentarão o golpe rude na qualidade e (esperemos que
não) na sobrevivência da revista.
Há um provérbio flamengo para estas
ocasiões: “E o agricultor continua a lavrar…”, simbolizando a vida em constante
progressão e o distanciamento egoísta face aos dramas dos outros. Lembrei-me do
óleo “A Queda de Ícaro” atribuído a Bruegel [pode não ser dele, mas isso são
outros quinhentos]. É um dos mais extraordinários quadros do século XVI,
sobretudo porque representa o acto através da quase ausência.
Ícaro foi queimado pelo Sol e
destruído pela sua ânsia de voar cada vez mais alto, mas não está no quadro. Ou
melhor: está. No canto inferior direito, junto da embarcação, estão as suas
pernas. O resto do corpo já está submerso. Como um fotógrafo distraído, Bruegel
escolheu representar os segundos que se seguiram à queda e não propriamente o
contacto das asas de cera com o calor do Sol.
E o que fazem os seres humanos nesta
representação? Um, em terceiro plano, procura em vão lançar um anzol que possa
“pescar” o infeliz aprendiz de deus; em segundo plano, um pastor mira os céus,
sem se aperceber de que Ícaro já tombou; e em primeiro plano, um agricultor
ignora olimpicamente o drama e continua a lavrar.
E o leitor: que papel escolhe?
3 comentários:
gostei
acabei de pensar no ditado
"os cães ladram e a caravana passa!
um bom dia para si
Angela
ADENDA
Já te "encaixei" nos meus BLOGUES MAIS FIXES!
Caríssimo Henrique,
Considero esta adenda uma medalha de honra e um grande motivo orgulho.
Forte abraço.
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