No auditório Grosvenor, em Washington,
sala nobre da National Geographic Society, cerca de duzentos congressistas
espalham-se pelas cadeiras disponíveis. Há um rasto indesmentível de história
naquele palco. Por ali têm passado os grandes cientistas do nosso tempo,
pensadores consagrados, exploradores indomáveis.
Neste mesmo palco, vi há quase uma década
a oceanógrafa Sylvia Earle comover-nos até às lágrimas, com uma palestra
inesquecível durante a qual propôs que a sigla SOS deveria ganhar novo sentido
e assumir o apelo “Save our Seas”. Ali vi também, em 2012, o especialista em
demografia Andrew Zolli discutir com uma franqueza desarmante os problemas da
Terra em 2050, se atingirmos o número populacional fatídico de 9.000 milhões de
habitantes.
Michael Nichols; J. Michael Fay; Paul
Nicklen; Enric Sala; Silvie Cousteau; Reza... A lista de palestrantes que ali
transmitiu aos membros da National Geographic Society as suas descobertas
empolgantes é quase interminável e, das poucas vezes em que ali subi para falar,
nunca esqueci a responsabilidade esmagadora do palco e do anfiteatro.
Nesta semana – que coincidiu com mais um
aniversário do 9/11 –, tive o privilégio de assistir a mais duas palestras
apaixonantes, enquanto lá fora se montava uma réplica em tamanho real de um Spinosaurus descoberto pelo paleontólogo Nizar Ibrahim, também
ele explorador-residente da NGS. O arqueólogo David Lordkipanize mostrou a
evolução das campanhas em Dmanisi (Geórgia), de onde têm brotado fósseis de
hominídeos desde o início do século. No final da palestra, com a humildade que
só os grandes costumam ter, o explorador-residente da NGS abriu um sorriso
quando soube que eu era português e gastou alguns minutos para me mostrar o
projecto do novo Museu Nacional da Geórgia, que conta com assinatura de um novo
talento da arquitectura portuguesa. Na véspera, um rapaz de 17 anos, Jack
Andraka, explorador-emergente da NGS, deixara o auditório boquiaberto com a
narrativa de como inventara, no seu quarto e depois num gabinete de
investigação, um novo método para detectar precocemente e sem custo o cancro do
pâncreas. Aos 15 anos! Como a minha colega dinamarquesa disse um dia depois,
“depois de o ouvir, acordamos com a desagradável necessidade de perguntarmos a
nós próprios o que fizemos para salvar o mundo”.
É neste auditório portanto, onde o peso da
história se corta à faca, que serão anunciados os vencedores dos prémios anuais
de criatividade jornalística da National Geographic Society. Em quase 14 anos
de trabalho, levámos sempre trabalhos a concurso – uns melhores, outros piores.
Recebemos menções honrosas e vimos consagradas verdadeiras obras-primas. Nunca
ficámos com a sensação amarga de derrota, como as equipas portuguesas de
futebol quando são espezinhadas nas competições internacionais. Distinguiram-se
sempre, e sem excepção, trabalhos melhores do que os nossos.
Desta vez, estou razoavelmente confiante.
Levámos a concurso três trabalhos que, com imodéstia (a modéstia em excesso é a
vaidade dos tolos), direi que se contam entre alguns dos melhores que
publicámos na edição portuguesa. Submetemos uma reportagem sobre a Amazónia, da
autoria de uma jovem-prodígio, Madalena Boto, que nos apresentara um ano antes
uma reportagem tremenda sobre um projecto de investigação na maior floresta do
mundo; submetemos uma ilustração da Anyforms, baseada em investigação de Rui
Castanhinha e Ricardo Araújo sobre um conjunto de ovos de dinossauro
descobertos na Lourinhã; e, por fim, apostámos no mapa-suplemento da Rota do
Românico para a rubrica de “Best Graphic”.
Categoria a categoria, os nomes são
anunciados. O auditório vai emitindo ruídos de satisfação a cada trabalho
exibido. Há verdadeiras gemas no ecrã da sala. Na categoria de “Best Simple
Page”, os ovos de dinossauro são escolhidos para o painel final, mas não
recolhem o prémio mais importante, atribuído à Polónia. Logo de seguida,
anuncia-se o vencedor da categoria “Best Graphic”: Portugal, com o mapa da Rota
do Românico.
Há projectos que nascem tortos e nunca se
endireitam; outros, em contrapartida, são harmoniosos desde o dia em que foram
concebidos. Este mapa foi, como os americanos costumam dizer, o perfect game, aquele dia raro em que o jogador de basebol consegue
fazer os lançamentos perfeitos de modo a excluir toda a equipa adversária. Em
Abril de 2013, fomos desafiados a conceber um projecto novo, capaz de
representar as principais características do estilo românico no Norte de
Portugal, sem nele figurar um monumento concreto. Poderia ter sido mais um mapa
com pendor cartográfico, à imagem de outros que já fizemos, mas a directora da
Rota sabia o que queria e não desistiu até chegarmos a uma solução inovadora.
Encontrámos no terreno uma equipa técnica
espectacular, com sensibilidade e sentido prático, capaz de dar respostas em
tempo útil e de dar feedback às
vezes doloroso, mas sempre rigoroso.
Contámos com uma equipa de ilustração
liderada pelo Luís Taklim, que cresceu a ver e a descodificar ilustrações da
National Geographic, e que assinou uma ilustração prodigiosa.
Tivemos tempo (um bem raro) e recursos. O
resultado foi este e está pendurado em muitas paredes por esse país fora.
Escrevo, aliás, a olhar para um, afixado na redacção.
Foi o primeiro galardão anual de produção
jornalística que a edição portuguesa da National Geographic conquistou na casa-mãe.
Gosto de pensar que não desagradaria aos arquitectos do século XII ou XIII
verificarem a durabilidade das suas obras na memória colectiva.
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