sábado, setembro 13, 2014

Um galardão em Washington


No auditório Grosvenor, em Washington, sala nobre da National Geographic Society, cerca de duzentos congressistas espalham-se pelas cadeiras disponíveis. Há um rasto indesmentível de história naquele palco. Por ali têm passado os grandes cientistas do nosso tempo, pensadores consagrados, exploradores indomáveis.
Neste mesmo palco, vi há quase uma década a oceanógrafa Sylvia Earle comover-nos até às lágrimas, com uma palestra inesquecível durante a qual propôs que a sigla SOS deveria ganhar novo sentido e assumir o apelo “Save our Seas”. Ali vi também, em 2012, o especialista em demografia Andrew Zolli discutir com uma franqueza desarmante os problemas da Terra em 2050, se atingirmos o número populacional fatídico de 9.000 milhões de habitantes.
Michael Nichols; J. Michael Fay; Paul Nicklen; Enric Sala; Silvie Cousteau; Reza... A lista de palestrantes que ali transmitiu aos membros da National Geographic Society as suas descobertas empolgantes é quase interminável e, das poucas vezes em que ali subi para falar, nunca esqueci a responsabilidade esmagadora do palco e do anfiteatro.

Nesta semana – que coincidiu com mais um aniversário do 9/11 –, tive o privilégio de assistir a mais duas palestras apaixonantes, enquanto lá fora se montava uma réplica em tamanho real de um Spinosaurus descoberto pelo paleontólogo Nizar Ibrahim, também ele explorador-residente da NGS. O arqueólogo David Lordkipanize mostrou a evolução das campanhas em Dmanisi (Geórgia), de onde têm brotado fósseis de hominídeos desde o início do século. No final da palestra, com a humildade que só os grandes costumam ter, o explorador-residente da NGS abriu um sorriso quando soube que eu era português e gastou alguns minutos para me mostrar o projecto do novo Museu Nacional da Geórgia, que conta com assinatura de um novo talento da arquitectura portuguesa. Na véspera, um rapaz de 17 anos, Jack Andraka, explorador-emergente da NGS, deixara o auditório boquiaberto com a narrativa de como inventara, no seu quarto e depois num gabinete de investigação, um novo método para detectar precocemente e sem custo o cancro do pâncreas. Aos 15 anos! Como a minha colega dinamarquesa disse um dia depois, “depois de o ouvir, acordamos com a desagradável necessidade de perguntarmos a nós próprios o que fizemos para salvar o mundo”.

É neste auditório portanto, onde o peso da história se corta à faca, que serão anunciados os vencedores dos prémios anuais de criatividade jornalística da National Geographic Society. Em quase 14 anos de trabalho, levámos sempre trabalhos a concurso – uns melhores, outros piores. Recebemos menções honrosas e vimos consagradas verdadeiras obras-primas. Nunca ficámos com a sensação amarga de derrota, como as equipas portuguesas de futebol quando são espezinhadas nas competições internacionais. Distinguiram-se sempre, e sem excepção, trabalhos melhores do que os nossos.
Desta vez, estou razoavelmente confiante. Levámos a concurso três trabalhos que, com imodéstia (a modéstia em excesso é a vaidade dos tolos), direi que se contam entre alguns dos melhores que publicámos na edição portuguesa. Submetemos uma reportagem sobre a Amazónia, da autoria de uma jovem-prodígio, Madalena Boto, que nos apresentara um ano antes uma reportagem tremenda sobre um projecto de investigação na maior floresta do mundo; submetemos uma ilustração da Anyforms, baseada em investigação de Rui Castanhinha e Ricardo Araújo sobre um conjunto de ovos de dinossauro descobertos na Lourinhã; e, por fim, apostámos no mapa-suplemento da Rota do Românico para a rubrica de “Best Graphic”.

Categoria a categoria, os nomes são anunciados. O auditório vai emitindo ruídos de satisfação a cada trabalho exibido. Há verdadeiras gemas no ecrã da sala. Na categoria de “Best Simple Page”, os ovos de dinossauro são escolhidos para o painel final, mas não recolhem o prémio mais importante, atribuído à Polónia. Logo de seguida, anuncia-se o vencedor da categoria “Best Graphic”: Portugal, com o mapa da Rota do Românico.
Há projectos que nascem tortos e nunca se endireitam; outros, em contrapartida, são harmoniosos desde o dia em que foram concebidos. Este mapa foi, como os americanos costumam dizer, o perfect game, aquele dia raro em que o jogador de basebol consegue fazer os lançamentos perfeitos de modo a excluir toda a equipa adversária. Em Abril de 2013, fomos desafiados a conceber um projecto novo, capaz de representar as principais características do estilo românico no Norte de Portugal, sem nele figurar um monumento concreto. Poderia ter sido mais um mapa com pendor cartográfico, à imagem de outros que já fizemos, mas a directora da Rota sabia o que queria e não desistiu até chegarmos a uma solução inovadora.
Encontrámos no terreno uma equipa técnica espectacular, com sensibilidade e sentido prático, capaz de dar respostas em tempo útil e de dar feedback às vezes doloroso, mas sempre rigoroso.
Contámos com uma equipa de ilustração liderada pelo Luís Taklim, que cresceu a ver e a descodificar ilustrações da National Geographic, e que assinou uma ilustração prodigiosa.
Tivemos tempo (um bem raro) e recursos. O resultado foi este e está pendurado em muitas paredes por esse país fora. Escrevo, aliás, a olhar para um, afixado na redacção.
Foi o primeiro galardão anual de produção jornalística que a edição portuguesa da National Geographic conquistou na casa-mãe. Gosto de pensar que não desagradaria aos arquitectos do século XII ou XIII verificarem a durabilidade das suas obras na memória colectiva.

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