Por elementar justiça, importa salientar o brilhante trabalho do "Público" de hoje sobre o protocolo de Quioto. Enquanto a concorrência se limitou a descrever o protocolo, quem assinou e não assinou, os seus limites e vantagens, Ana Fernandes e Ricardo Garcia lançaram-se na tarefa muito mais difícil de analisar o falhanço do Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC).
Condensando a análise nos referenciais de Energia, Transportes, Impostos e Sector Primário, os repórteres traçaram um quadro muito mais negro do que aquele que o Ministério do Ambiente tem pintado do PNAC. Excelente trabalho, pois, do jornal.
Importa, porém, com esta análise em mãos, reflectir sobre o aparente fracasso deste instrumento de controlo e gestão. A priori, todos consideramos indispensável um plano aglutinador, que estabeleça objectivos e prioridades, medidas e programas. Sem ele, os esforços tendem a mostrar-se descoordenados.
À data, julgo que poucos criticaram o PNAC e o seu programa. Hoje, todavia, constata-se o seu falhanço aparente, o que transporta a discussão para a forma como actuamos no campo do Ambiente e como desenvolvemos esforços para actuar contra fenómenos continuados e globais. Por outras palavras, se o PNAC era o primeiro passo indispensável para cumprir as metas de controlo dos níveis de poluição atmosférica, por que razão a batalha parece cada vez mais perdida?
Em 1994, num texto emblemático ("Regressar à Terra", edições Fim de Século), Viriato Soromenho-Marques colocou a teste um modelo. Segundo o autor, teoricamente poder-se-ia falar de governação responsável na área do Ambiente a partir do momento em que um país cumprisse cinco referenciais, a saber:
a) a consagração dos direitos e deveres na área do ambiente no texto constitucional
b) a aprovação de uma lei específica relativa ao ambiente e à sua envolvência com a área económica e rural
c) a publicação regular, de preferência anual, de relatórios técnicos e científicos sobre diversos indicadores ambientais.
d) a criação de uma pasta específica governamental para as questões ambientais, de preferência dentro de um ministério e isolado de outras áreas temáticas
e) a implementação de uma autoridade ambiental, capaz de associar o governo e a sociedade civil, de coordenar a elaboração de relatórios e de servir de juiz nas disputas entre as várias esferas de poder, sempre que o ambiente cria contendas.
Ora, paradoxalmente, Portugal já cumpriu parcial ou integralmente estes cinco passos e nem por isso podemos hoje falar de uma intervenção mais coerente no campo do ambiente.
1) O texto constitucional de 1976 cumpre o referencial a).
2) A Lei de Bases do Ambiente de 1987 responde ao referencial b)
3) São produzidos, embora com regularidade discutível, relatórios sobre os principais indicadores ambientais, satisfazendo o referencial c)
4) Sob a égide de uma secretaria de Estado ou de um ministério, o Ambiente tem figurado continuamente nos executivos governamentais desde 1979 (com uma única excepção – o primeiro governo de Cavaco Silva). Também o referencial d) é respondido em Portugal
5) Existe, por fim, uma autoridade centralizadora, embora limitada. Já se chamou Instituto Nacional de Ambiente e depois Instituto de Promoção Ambiental. Hoje, é simplesmente Instituto de Ambiente. Também o referencial e) é satisfeito.
O que falha então? Ou, colocando a questão noutro plano, se construímos o edifício pelos alicerces, em que fase adulterámos o resultado final? No caso do PNAC, parece claro que o fraco incentivo dentro do próprio executivo, a crise económica que afecta o tecido industrial e que dificulta a imposição de metas reais, o poder fortíssimo de alguns "lobbies" energéticos e a escassa consciencialização individual para a causa funcionaram como forças de atrito, travando o que era genericamente uma iniciativa saudável.
Olhando de fora, diria também que parámos de nos preocupar no momento em que o PNAC foi publicado.
Ontem, entrou formalmente em vigor o protocolo de Quioto. Teria sido interessante escutar a opinião dos cinco candidatos a primeiro-ministro sobre o tema. Algum dos cinco políticos que se apresentaram ao debate conheceria sequer a efeméride?
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