"If two wrongs don’t make a right… try three" – Laurence J. Peter
A citação assenta que nem uma luva na recente decisão do secretário de Estado para o Ambiente, Jorge Moreira da Silva, relativamente ao túnel do Marquês de Pombal em Lisboa.
Começo por dizer que tenho respeito pela sua intervenção política nos últimos três anos, quer no Ministério da Ciência e do Ensino Superior, quer no Ministério das Cidades, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MCOTA). Talvez por isso, a bitola seja mais elevada e o desconforto provocado pela sua recente intervenção seja maior.
Contextualizemos: no final de Janeiro, já com o fim da legislatura perfeitamente no horizonte, e quando a elegância mandaria que um governo de gestão se limitasse a… gerir, Moreira da Silva optou por deixar a sua marca no intrincado processo do túnel do Marquês. Fê-lo da pior forma, dispensando a avaliação de impacte ambiental (AIA) em curso, o que se traduz na consequência imediata da retoma da obra e da sua "legalização" artificial.
Argumentou o secretário de Estado que uma decisão do Supremo Tribunal considerava inútil este procedimento técnico, uma vez que a obra já seria irreversível. Ao mesmo tempo, como o MCOTA se debate com escassez de recursos humanos, a AIA iria ser um desperdício de tempo e de dinheiro, alega ainda Moreira da Silva.
A teia complicou-se quando José Sá Fernandes contestou a legalidade do despacho, uma vez que o mesmo, diz o advogado, assentou num pressuposto falso. A decisão do Supremo Tribunal não considera inútil o AIA, explica Sá Fernandes. Para além disso, há uma acção no tribunal administrativo que, essa sim, poderá pronunciar-se sobre a adequabilidade do AIA para uma obra desta natureza. Entretanto, para complicar mais ainda, o Instituto de Estradas de Portugal e o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação identificaram riscos associados à gestão rodoviária da zona, ao risco sísmico e à capacidade de socorro em caso de acidente.
Como a acção ainda decorre no tribunal administrativo, mandaria a prudência que se aguardasse a decisão do mesmo antes de declarar improcedente a AIA. Suponham que esta instância jurídica considera no futuro que o AIA é indispensável para uma obra desta envergadura. Como ele foi iniciado mas não terminado nem aplicado, teoricamente poderia haver uma ordem judicial para destruir o túnel. O exemplo é grosseiro, mas a prática também o foi, e o próximo elenco camarário pode herdar um processo de indemnização colossal.
Mas concentremo-nos no essencial. O que levou Moreira da Silva a pronunciar-se de forma tão evidente num processo que deixará de gerir a partir de dia 20 (pelo menos, numa democracia, um governo só deve assumir a sua responsabilidade até ao sufrágio seguinte)? Lamentavelmente, tenho uma conclusão – creio que a única interpretação lógica para esta súbita blindagem da obra e dos seus promotores.
A partir de dia 20, se o governo mudar de cor, mãos mais hostis poderiam imediatamente cancelar a obra, questionar a sua legalidade e a sua incapacidade de cumprir os requisitos que um túnel desta natureza deveria ter cumprido desde o início.
Continuando este silogismo futurista, diria que Moreira da Silva se apressou a resolver um problema que se esperava de resolução complexa em 2005 e com potenciais impactes nas eleições autárquicas, agendadas para Outubro. Muito mais fácil é resolver o imbróglio enquanto se tem a faca e o queijo na mão. Pergunta-se: com que chapéu tomou Moreira da Silva a decisão – o governamental ou o partidário? A resposa parece óbvia.
Não partilho a posição da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, que associou a decisão do secretário de Estado (candidato a deputado, em lugar elegível, nas eleições de domingo) a um eventual regresso de Santana Lopes à Câmara Municipal de Lisboa. Não me parece possível, nem plausível, que o edil-que-se-tornou-primeiro-ministro venha agora a ser o primeiro-ministro-que-voltou-a-ser-edil.
Entristece-me apenas sentir que o legado de um secretário de Estado activo, que deixou trabalho feito no campo da adaptação da legislação portuguesa às alterações climáticas, será a chamada… herança italiana. Ou, por outras palavras, esta é a triste história de como um político passou rapidamente "dalle stelle alle stalle". Das estrelas aos estábulos.
2 comentários:
Que posta maravilhosa. Abraço. Octávio Lima (ondas.blogs.sapo.pt)
Concordo plenamente. Decisão inexplicável. Ou pior: decisão perfeitamente explicável!
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