Li e ainda desconfio. O Comité Nobel atribuiu o prémio Nobel da Paz deste ano à queniana Wangari Maathai, notável fundadora do movimento Green Belt. A inédita escolha de uma ambientalista, ainda por cima africana, ainda por cima queniana, ainda por cima fundadora de um movimento incómodo que tem denunciado práticas agrícolas desregradas e fracassos na política social queniana, é inesperada.
O reconhecimento da interacção entre a perspectiva ambientalista e a acção social em prol da paz é uma das boas notícias que nos chega em 2004. Pela primeira vez (ainda por cima, através de um Comité conservador como é o Nobel) se reconhece que uma acção ecológica que tem visado, durante trinta anos, aumentar os recursos naturais de um país tem igualmente impactes sobre a estabilidade social do mesmo. Ao liderar uma campanha maciça de plantio de árvores endémicas, o movimento Green Belt contribuiu para fixar populações, diminuir a acção da erosão e aumentar a oferta de madeira para as diversas utilizações locais. Como todos os movimentos, demorou a impor-se na sociedade queniana, mas hoje desfruta do mérito de ser olhado como um projecto suprapartidário.
Os dois últimos anos foram marcados pela saída abrupta do Ambiente da agenda política na maior parte das democracias ocidentais. Nas eleições presidenciais americanas, o tema não chegou ainda a ser debatido; em Itália e em França, o Ambiente surge agora abaixo do "top ten" das preocupações dos eleitores; em Inglaterra, os trabalhistas esqueceram as acusações que durante anos lançaram ao governo Tatcher e enterraram o tema debaixo de uma pilha de prioridades; em Portugal, já vamos no quarto ministro do Ambiente deste mandato parlamentar (Isaltino Morais, Amílcar Theias, Arlindo Cunha e Nobre Guedes) e o único tema ambiental que conseguiu furar a barreira mediática foi (honra seja feita, sobretudo ao actual secretário de Estado do Ambiente) a negociação da directiva do comércio de emissões. É pouco, muito pouco.
Que a recente decisão do Comité Nobel tenha continuidade. Que o papel social dos ambientalistas não seja esquecido. Que o Ambiente não se torne demasiado subalterno na agenda política. Será pedir muito?
3 comentários:
Subscrevo inteiramente o espírito do artigo. Quanto ao número de ministros do Ambiente desta legislatura, não são três, mas quatro. Então e o Isaltino Morais? Não se deu pela sua presença no Ministério, mas conta para o número!
Tem razão. Já introduzi a emenda neste post. Obrigado.
Pois é, pelos vistos o Quénia deu entrada na UE e nós estamos cada vez mais próximos de África! No fundo não é o sub-desenvolvimento cultural que nos impede de evoluir, mas sim a inércia política e social. Que falta nos fazem movimentos cívicos à semelhança do Green Belt, encabeçados por gente que não tem medo de fazer!
Helena Abreu
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