quinta-feira, outubro 14, 2004

As falácias do túnel do Marquês

Nas profundezas do centro de Lisboa, um buraco gigantesco desafia a compreensão, motiva agitados debates à superfície e constituirá certamente tema de jocosa leitura pelas gerações futuras.
Dos dois lados da barricada esgrimem-se argumentos – alguns correctos, outros falaciosos. A facção que apoia o túnel defende-se com a seguinte matriz teórica:
a) O túnel era inevitável para gerir a entrada e saída de automóveis através da linha de Estoril-Cascais.
b) O túnel constituiu uma importante ajuda para descongestionar o marquês do Pombal
c) O túnel insere-se na política de grandes obras e grandes soluções para a resolução de problemas complexos, idealizada pelo elenco que gere os destinos da Câmara Municipal de Lisboa (CML)
d) O túnel já está começado e portanto o recuo na obra não custará menos de 10 milhões de euros.
e) O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) recentemente concluído dá razão aos promotores do projecto.
Na outra trincheira, defendida essencialmente por movimentos cívicos de protecção do ambiente, associações de moradores e partidos da oposição, a argumentação baseia-se nos seguintes pontos:
a) O túnel era dispensável enquanto solução de gestão das chegadas e partidas de viaturas da linha Estoril-Cascais.
b) O túnel envia uma mensagem negativa à população, na medida em que legitima o transporte individual e privado em prejuízo do transporte colectivo.
c) O túnel é uma obra cara e provoca um desgaste prolongado na população residente ou que trabalha nas redondezas. Um projecto mais curto e construído mais perto da superfície poderia resolver o imbróglio.
d) Ainda não é tarde de mais para parar o túnel, independentemente dos custos.
e) O EIA sugere muita cautela e chega a sugerir soluções alternativas.
Sem defender cegamente o conjunto de argumentos de oposição ao projecto, considero que esta é de facto uma obra que deverá ser interrompida. E explico porquê: aborrece-me sobremaneira esta noção peregrina de começar os trabalhos de escavação sem qualquer noção do impacte da obra no trânsito da zona, abatendo árvores centenárias na zona contígua e desconhecendo lamentavelmente o impacte de um túnel de betão nas estruturas próximas do metropolitano e da EPAL.
Se o projecto avançar, existirá jurisprudência para qualquer outra entidade que decida avançar antes de se aborrecer com estudos prévios e antecipações de impacte ambiental. Será o fartar vilanagem pelos vários municípios deste país. E os EIA perderão de vez a réstia de dignidade que ainda os rodeia.
Mas há outro pomo de discórdia que exige clarificação. Para mim, é injustificável que apenas o "Público" e o "Expresso" tenham relatado com precisão as conclusões do EIA. No editorial de 13/10/04, o "Diário de Notícias" tem o desplante de subverter por completo as conclusões do EIA e anunciar que "já existe um estudo de impacte ambiental favorável que só aguarda aprovação do Instituto do Ambiente". O Estudo que eu li não diz isto. Não absolve a CML. Não aconselha a realização da obra. É portanto falacioso e irresponsável escrever que nada impede agora a realização da obra e que o pedido de um EIA foi um gesto absurdo e despesista de um advogado extremista. Uma posição destas é ainda mais indefensável porque a maioria dos cidadãos não lerá o EIA. Os lisboetas dependem dos media para obter as suas conclusões. E quando os media não cumprem a sua missão, a discussão pública do projecto inquina numa tremenda farsa.
Para que conste, o estudo é equilibrado e admite que o trânsito que sai da cidade para a A5 melhorará. Revela que se economizarão 300 mil horas/ano perdidas nos engarrafamentos da zona e que a circulação de superfície será beneficiada. Mas, ao mesmo tempo, os autores do estudo dizem que a saída do Marquês de Pombal pelo túnel será seriamente dificultada (não se antecipam horas perdidas no trânsito aí). O final do túnel, na Av. Fontes Pereira de Melo, provocará agravamentos da circulação com impactes até Palhavã e Saldanha. O túnel sugere ainda que muitos utilizadores dos transportes públicos voltarão a trazer o carro para a cidade num claro retrocesso a hábitos nocivos do passado (e depois do anúncio da Quercus de que a Avenida da Liberdade é a artéria mais poluída da cidade!). Por fim, os autores do estudo lançam sérias dúvidas sobre a segurança de um declive tão acentuado da estrutura. Se estes pontos constituem um balanço "favorável" ao túnel, como diz o DN, teria muito gosto em apreciar um EIA desfavorável à obra!?!
É fundamental portanto que todos (a favor e contra a obra) participemos na discussão pública. Para que também esta não seja uma formalidade, descrita en passant pelos situacionistas do costume.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não concordo nada consigo. Há uma questão fundamental. A partir do momento em que já se investiu dinheiro no túnel, ele passa a ser uma questão económica. E não é viável travá-lo por um arrufo!

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado