Ocorreu-me ontem como já
tinha ocorrido no final do ano passado quando me debrucei sobre o espólio do
Conde de Arnoso depositado na Biblioteca Nacional: a pesquisa epistolar não tem
futuro.
Olhamos para a vida destes
homens do século XIX e do século XX – escritores, políticos, empresários,
industriais ou jornalistas – e pressentimos a importância dedicada à
actualização diária da correspondência e à organização dos arquivos. Colocar em
ordem os papéis passava, em grande parte, por organizar o espólio de correspondência
recebida, na certeza de que, entre postais, notas, memorandos e cartas,
infiltrava-se muita da ideologia de cada agente social e da sua relação com
outros protagonistas.
Monteiro Lobato disse em
tempos que o género epistolar, mesmo que produzido por escritores, não é
literatura. Admito que sim. Mas, para quem rastreia a biografia de um agente
social, ele tem tanto ou mais valor do que a obra "oficial"
produzida com o intuito directo de legar informação ao futuro. A própria caligrafia
(ora rabiscada à pressa, ora delicadamente desenhada) fornece pistas sobre
estados de espírito e normas de etiqueta. A decifração de caligrafias é uma
especialidade construída com a prática até ao ponto em que os rabiscos do Conde
de Arnoso ou a letra indistinta de Oliveira Salazar são processados como se
tivessem sido escritos em letra de imprensa.
Quem escreve hoje em
suporte de papel? Quem perde tempo a redigir postais, cartas ou outras
notas? A comunicação à distância
foi tomada pelos meios electrónicos e isso terá impactes na investigação
futura. É possível que as mentes mais organizadas arquivem diligentemente o seu
correio electrónico ou as suas mensagens escritas em SMS, mas estou certo de
que a maioria não o faz.
Usa-se, envia-se,
apaga-se.
No futuro, quando quisermos (se quisermos…) investigar o que movia os políticos da década de 2010 (se alguém quiser pegar em tão maçador tema), não contaremos com este suporte. A caligrafia esfumou-se em bits, sequências de uns e zeros, apagadas num qualquer servidor.
No futuro, quando quisermos (se quisermos…) investigar o que movia os políticos da década de 2010 (se alguém quiser pegar em tão maçador tema), não contaremos com este suporte. A caligrafia esfumou-se em bits, sequências de uns e zeros, apagadas num qualquer servidor.
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