Entre
as ciências às quais a revista está umbilicalmente ligada, a arqueologia é
provavelmente a mais difícil de representar. Ciência de campo, feita de
repetição sistemática em contextos frequentemente similares, exige dos leigos
forte capacidade de imaginação. Onde o olho destreinado vê ruínas, rochas ou
artefactos inofensivos, o olho clínico apercebe-se de estruturas, imagina
construções e adivinha funcionalidades.
Não
tenho receio de reconhecer que é cada vez mais difícil produzir notícias ou
reportagens sobre temas arqueológicos – pelo menos nesta revista. O jornalismo vive de emoção, de
novidade, de conclusões absolutas. E, sobretudo, o leitor moderno cansa-se com
mais rapidez. Enfada-se com aquilo que lhe parece uma repetição da receita anterior.
Grande parte do esforço passa por isso por transformar os achados visualmente
insípidos (mas obviamente com valor científico, que nunca está em causa) em
representações vívidas. Está fora de questão duplicar fotografias estafadas de
campo, repetindo a actividade metódica de escavação, peneiragem, desenho, mais
escavação. Publicámos seguramente mais de uma centena de imagens nesse registo
ao longo dos doze anos da história da revista. Já não chega!
Por
outro lado, a arqueologia precisa de tempo, de reflexão. É rara a descoberta
cujas consequências se materializam imediatamente, enquanto os arqueólogos
estão no campo. Na maioria dos casos, é já no conforto do laboratório que as
descobertas se confirmam, os achados são comparados e as conclusões podem ser
afinadas com mais precisão. O que também significa que o trabalho de
fotojornalismo neste campo foi passando da escavação para o laboratório, da
terra e da poeira para as estantes desarrumadas (sem ofensa!) dos centros de
arqueologia. Do ponto de vista da narrativa visual, torna-se ainda pior. Como
os paramédicos, somos chamados em cima da hora ou quando já é tarde de mais.
No
campo concreto da arqueologia, temos chegado à conclusão que a melhor solução
de representação passa pela reconstituição – sempre que o tema o permite,
bem-entendido. Partimos do artefacto, do osso, da ruína para a extrapolação da
actividade, da morfologia ou da arquitectura. Fazemo-lo com um grau
considerável de especulação e essa condição deve ser tornada clara no registo
final. E dependemos – hoje como dantes – da colaboração com o arqueólogo,
que tira teimas com frequência, emenda, corrige, sugere. O controlo artístico é
obviamente nosso, mas viajamos sobre os carris construídos pelo perito. Não
entendo outra forma de trabalhar neste contexto.
Nos
últimos cinco meses, o arqueólogo António Carlos Valera, da ERA Arqueologia,
teve paciência de Job para contribuir para a ilustração do auroque que
publicamos na edição de Outubro. Sob os seus conselhos (expressos sempre com
bonomia e espírito construtivo), avançámos dos esboços preliminares e
descuidados para a arte final. Discutimos dezenas de pormenores, desde a
orografia ao clima, desde a posição dos seres humanos face ao animal à
proporção entre figuras. O resultado final fica expresso neste vídeo simples.
Serei
o primeiro a reconhecer que entre a fotografia do achado e a sua reconstituição
medeia agora uma dose maior de interpretação. Concedo o ponto. Mas também creio
que muito mais pessoas leram a história porque esbarraram com a ilustração, na
revista ou nas redes sociais, e quiseram saber mais.
A
minha caixa de correio cheia é um testemunho concreto.
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