sábado, julho 09, 2005

A Solução Fácil

A poeira já assentou, os mais entusiasmados já acalmaram. Como uma tempestade de areia, os defensores do projecto nuclear em Portugal aparecem subitamente, lançam um raide e fogem apressadamente. No balanço do que foi apresentado, ficam mais dúvidas do que certezas. A opinião pública discutiu o assunto pela rama, como convém, e não extraiu uma conclusão definitiva. O governo, pela manhã, disse que sim; à tarde, disse que não. O primeiro-ministro, na conversa familiar com a nação graças à antena da SIC, nem aflorou o assunto. E todavia a polémica até já tem décadas.
Há anos que o lobby do nuclear está activo. Organiza almoços e lança ameaças veladas aos governos de circunstância. Promete a salvação energética e patrocina artigos a colunistas de aluguer – que os há, asseguro. Lança perspectivas catastróficas sobre as tendências nacionais de utilização de energia e zomba dos esforços das renováveis. Cativa fiéis transversalmente, nos dois principais partidos.
Como um grupo de adventistas do sétimo dia, os pró-nucleares prometem a salvação. Do país, dos consumidores de energia, deles próprios. Basta assinar a factura.
Num documento-síntese notável, a Quercus levantou quatro perguntas que ficaram por responder depois do arrastão nuclear, a semana supersónica em que Patrick Monteiro de Barros e demais proponentes impuseram o tema na agenda política. Com a dévida vénia, recupero as interrogações:
1) O risco e as consequências de acidente: são diversos os exemplos de acidentes com menores ou maiores consequências, desde os casos mais conhecidos de Three Mile Island a Chernobyl às pequenas avarias que são reportadas em muitas centrais e que não são conhecidas publicamente. Apesar da maior segurança das novas centrais nucleares, as consequências de um acidente grave podem ser dramáticas e globais; no caso de Portugal, o risco sísmico é um factor determinante, sendo que a sua localização teria sempre de ter lugar junto a rio ou no litoral por causa da refrigeração da instalação.

2) Os resíduos radioactivos: não há até agora no mundo um solução definitiva para o armazenamento seguro dos resíduos radioactivos, representando tal uma ameaça em termos do seu transporte e do seu armazenamento, com óbvios custos acrescidos nomeadamente em termos de segurança.

3) A segurança face a atentados: é de momento uma das maiores preocupações nos países desenvolvidos com custos acrescidos muito elevados, tendo recebido um destaque recente da revista "Time" que noticia o facto de as centrais nucleares serem o alvo preferido para ataques terroristas. Os valores dos seguros associados são enormes.

4) o custo: os custos de investimento e o tempo associado à sua construção são muito maiores em comparação com centrais termoeléctricas recorrendo a outros combustíveis apesar dos custos de exploração até poderem depois ser na mesma ordem de grandeza; as diferenças entre o dinheiro efectivamente gasto e o planeado pode chegar até sete vezes mais, ficando-se totalmente dependente de tecnologia estrangeira e sem economia de escala dada a fraca dimensão do nosso país.

À medida que na Europa se desmantelam projectos em fim de vida e há escassas notícias sobre reinvestimentos no sector fora dos Estados Unidos, os proponentes da energia nuclear propõem-se caminhar na direcção contrária da corrente, formosos e seguros das suas convicções. Não resisto por isso a partilhar uma anedota com os leitores – adequada, creio, às circunstâncias. Depois de muito caminhar num túnel escuro, o viajante avista ao longe uma luz. É a saída, pensa. Apressa o passo na direcção da luminosidade, que lhe parece cada vez mais próxima. Cada vez mais perto, ele acelera, radiante. Infelizmente, a luz não era a saída. Era um comboio na direcção contrária!

2 comentários:

João Soares disse...

Ola,Gonçalo,já tinha saudades das tuas crónicas.
Somos contrutores do arco-íris!
Amor na Paz
http://bioterra.blogspot.com/2005/07/urnio.html

Gonçalo Pereira disse...

Olá João. Afazeres profissionais impediram uma produção mais regular de comentários no último mês. Agradeço as palavras simpáticas.
Excelente nota a tua, sobre o choque nuclear. Seguramente que vamos voltar a escutar os mesmos personagens.